O admirável apóstolo Paulo, escrevendo à comunidade cristã de Éfeso, partilha, enfaticamente, este conselho: “É preciso renovar-vos, pela transformação espiritual de vossa mente, e vestir-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em justiça e santidade da verdade”. Em outras circunstâncias, por meio da pregação e da escritura, o mesmo apóstolo abordou essa temática, cônscio dos avanços e retrocessos na existência humana, com incidências fortes no tecido sociocultural. A mente humana é patrimônio da liberdade individual, mas com enorme responsabilidade social, por influenciar nas configurações de valores e princípios. Sabe-se o quanto a mentalidade coletiva incide sobre a realidade, inspirando ganhos e perdas, em diferentes etapas da história. No contexto contemporâneo da sociedade brasileira, é preocupante a hegemonia de compreensões que corroem conquistas importantes da democracia e do exercício da solidariedade. Retrocessos perigosos e a tendência de se manter, em “banho-maria”, temáticas relevantes para a preservação dos direitos e da justiça.

A forja dessas perdas é o predomínio de uma mentalidade que precisa ser debelada, a partir de providências urgentes, para reverter a crise antropológico-cultural em curso na sociedade. Sofre-se a consequência de uma verdadeira “babel”, revelada pela falta de conexões na linguagem, manipulada para formular juízos incoerentes, contaminados por vícios que englobam desde a defesa do que é indefensável até as manifestações de ódio. Têm sido nefastas as consequências, que incluem equívocos nas escolhas políticas – o que aponta para a urgência de se investir sempre mais no exercício cidadão de adequadamente escolher aqueles que ocupam as instâncias do poder. Um passo importante nessa tarefa é reconhecer: mentes estão produzindo, mundo afora, o que o Papa Francisco aponta na Carta Encíclica Fratelli Tutti – “sombras de um mundo fechado”.

Ainda que com tantos avanços científicos e tecnológicos a sociedade continua a padecer, em razão da falta de lucidez. O Papa Francisco adverte a respeito dos sinais de retrocesso na história, quando se reacendem conflitos anacrônicos, ressurgem nacionalismos fechados e agressivos. De modo incoerente, muitos, dizendo-se defensores de algum princípio ou valor justo, acabam por desfigurar o bem, o amor, a justiça e a solidariedade. Alimentam, assim, prejuízos irreversíveis, dentre os quais está o enfraquecimento do sentido de solidariedade, fazendo com que a sociedade se distancie das práticas que garantem a coesão fraterna de um povo ou nação. Um caminho que, apesar de perigoso por levar ao caos, seduz aqueles que não se dão conta do acelerado precipitar da vida, consequência do ódio e de negacionismos. Sinal de mentalidades estreitas, que aprisionam o ser humano também em dinâmicas da economia e das finanças.

Há uma cegueira estabelecida pela hegemonia do dinheiro – que governa em vez de servir ao ser humano. Trata-se de um nível perverso de dominação, contaminando até mesmo instâncias com a responsabilidade de promover correções e ajustes nos parâmetros da justiça e da verdade. É triste o crescente desinteresse pelo bem comum, prevalecendo a supremacia de poderes econômicos, com a fragilização da política, cada vez mais submissa. Inspire uma urgente reação, especialmente a partir de investimentos educativos para reconfigurar consciências, a palavra forte do Papa Francisco: os indivíduos nunca estiveram tão sozinhos como atualmente neste mundo massificado, privilegiando os interesses individuais e enfraquecendo a dimensão comunitária da existência.

É hora de vencer todo tipo de desânimo e cuidar para que não haja propagação de desconfianças, alimentando as polarizações e o caos. A luta por interesses egoístas alimenta a configuração de uma realidade em que todos estão contra todos, onde vencer se torna sinônimo de destruição. O momento requer o exercício da escuta, condição essencial para qualificar aquilo que se diz. Oportunidade para transformar a mente – acolhendo a orientação do apóstolo Paulo – e gerar entendimentos que promovam a fraternidade, com novas incidências existenciais, políticas e sociais.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).