No dia 27 de julho, completou-se 44 anos do nascimento de Marielle Franco. O dia foi marcado por eventos em sua memória no Rio de Janeiro, que incluíam missa e homenagem junto ao seu monumento no centro da cidade, com a presença de seus familiares, amigos e aliados.

Neste monumento há uma estátua dela em tamanho natural e uma placa que diz: “Mulher negra, favelada, LGBTQIA+ e defensora dos Direitos Humanos. Vereadora do Rio de Janeiro, eleita com 46.502 votos, brutalmente assassinada em 14 de março de 2018 por lutar por uma sociedade mais justa”. E mais adiante: “‘Eu sou porque nós somos’ Filosofia Africana Ubuntu”.

A figura militante, carismática e radiante de Marielle se tornou um ícone poderoso da defesa dos Direitos Humanos e da causa de pessoas e grupos que ela mesma encarnava. Marielle era católica e traduziu sua fé em ação política em favor de cidadania. Ela se inspirava também na concepção ética africana Ubuntu, termo que vem da língua bantu e significa “eu sou porque nós somos”. É uma espécie de filosofia do nós, que traduz uma crença profunda no compartilhamento e na solidariedade, e conecta toda a humanidade por meio da empatia.

O bispo anglicano e sul-africano Desmond Tutu, que combateu o apartheid e ganhou o Prêmio Nobel da Paz, difundia o Ubuntu e assim o expressava: “eu preciso de você para ser eu. Você precisa de mim para ser você”. A luta de Tutu contra o apartheid o tornou sensível a outras formas de opressão e o levou a defender com vigor os direitos humanos. O Ubuntu tem forte consonância com o amor ao próximo, mandamento cristão fundamental.

A missa é uma celebração cujo sentido original é eucaristia, ação de graças pelos dons recebidos de Deus, sendo o dom maior a pessoa de Jesus Cristo. Marielle, nascida há 44 anos, também é um dom de Deus que veio ao mundo através de dona Marinete e seu Toinho. Marielle é uma pessoa que passou fazendo o bem. É um dom precioso para nossa cidade e para o mundo. Felizmente o nome dela é conhecido cada vez mais.

Deus é a fonte da vida e seu Espírito age através dos profetas. As lutas de Marielle em favor das comunidades de favela, das mulheres, dos negros, dos LGBTQIA+ e das vítimas da violência também são inspiradas pelo Espírito de Deus. Ela é uma profetiza moderna, na linha de Martin Luther King Jr. e de dom Hélder Câmara, patrono dos Direitos Humanos no Brasil. Marielle teve a sorte dos profetas, como João Batista e Jesus Cristo. Mas a morte não tem a última palavra sobre a existência humana. A dor dos familiares e amigos pelo falecimento dela não há de ser em vão.

Com esta certeza de fé, cantou-se na missa com emoção a música Se Calarem a Voz dos Profetas:

Se calarem a voz dos profetas,

as pedras falarão.

Se fecharem os poucos caminhos,

mil trilhas nascerão.

Muito tempo não dura a verdade,

nestas margens estreitas demais.

Deus criou o infinito

pra vida ser sempre mais.

É Jesus esse pão de igualdade  

Viemos pra comungar

Com a luta sofrida do povo

que quer ter voz, ter vez, lugar.

Comungar é tornar-se um perigo.

Viemos pra incomodar.

Com a fé e união nossos passos

um dia vão chegar.

Deus seja louvado pela vida e pelo legado de Marielle Franco. Marielle presente! E sempre!

 

Luís Corrêa Lima é padre jesuíta, professor da PUC-Rio e autor do livro “Teologia e os LGBT+: perspectiva histórica e desafios contemporâneos” (Ed. Vozes).

 

* Imagem: site Outras Palavras