A sociedade brasileira costuma enjaular o diálogo em torno de nomes ao tratar sobre política. As reflexões a respeito de candidaturas constituem capítulo indispensável, especialmente no contexto da política partidária, pois possibilitam realçar nomes com condições adequadas para representar o povo. Mas é importante que essas reflexões sobre candidaturas sejam precedidas e, permanentemente, emolduradas pelo diálogo que promove a política melhor – referência ao título do capítulo quinto da Carta Encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco. Ora, o povo, no cumprimento de sua tarefa cidadã, em conformidade com a Constituição Federal, é o grande protagonista do processo eleitoral, garantia de uma democracia amadurecida. Neste momento em que o País antecipa discussões sobre o processo eleitoral de 2022, priorizando debates sobre nomes que podem ser submetidos ao voto, há de se evitar sério risco: não se investir na recomposição de adequados entendimentos sociais – imprescindíveis para que a sociedade brasileira construa uma política melhor.

Quando são consideradas as polarizações sociais e as dificuldades de se elaborar percepções para rumos novos, comprova-se a importância de se promover, massivamente, situações que favoreçam a construção de entendimentos, a partir do diálogo que leva à política melhor. Assim, atende-se a uma necessidade educativa e civilizatória no caminho da recuperação da sociedade, que sofre injunções pesadas – dentre as mais graves, as consequências da pandemia da covid-19, além dos muitos retrocessos que golpeiam a jovem democracia brasileira. Por isso é necessário investir no diálogo que promove a política melhor, uma oportunidade de exercitar a capacidade de ouvir, para adquirir o conhecimento que afasta o contexto político de irracionalidades e manipulações. Esse diálogo qualificado, consequentemente, pode levar a escolhas mais acertadas de nomes submetidos a sufrágios eleitorais. É caminho, pois, para vencer esquemas de corrupção que promovem – e se alimentam – das vergonhosas desigualdades sociais, dos atentados contra o meio ambiente, do desrespeito a direitos, vitimando povos indígenas, dentre outras minorias.

A sociedade brasileira, com suas instituições e segmentos, precisa se dedicar à recomposição de sua realidade sociopolítica, o que exige muito investimento. É preciso cuidado para que o País não se envolva, simplesmente, na discussão de nomes, desobrigando-se da tarefa de construir um entendimento civilizatório mais lúcido e abrangente, a ser alcançado com a contribuição da ciência, de estudos e debates. Sem a construção desse entendimento civilizatório, corre-se o risco de empobrecer o processo eleitoral, conferindo-lhe características das disputas entre torcidas no âmbito do esporte. Escolhas políticas jamais podem se estreitar nos parâmetros das simpatias e escolhas esportivas, pois são determinantes na configuração dos rumos de uma sociedade. Se essas escolhas forem equivocadas, consolidam-se práticas irresponsáveis e sem o lastro humanístico necessário para o exercício da liderança que está a serviço do povo, do seu destino e da sua identidade.

A história mostra que escolhas equivocadas levam sociedades ao fracasso. Por isso mesmo, é preciso lutar e contribuir para o adequado funcionamento das instituições democráticas e pelo exercício da cidadania – todos reconhecendo seus direitos e deveres. O processo eleitoral deve constituir uma importante oportunidade para o debate social – com o objetivo de consolidar a política melhor. A sociedade depende muito de qualificada politização dos seus cidadãos, que não podem deixar-se aprisionar por polarizações, negacionismos e escolhas parciais. Debates sobre temas e valores constituem desafio para sociedades pluralistas com sérias lacunas humanísticas e carência de princípios morais.

O Papa Francisco sublinha a importância da política, partilhando entendimento muito precioso: a rejeição da corrupção, do mau uso do poder ou da falta de respeito às leis não deve justificar uma economia sem política. A política é imprescindível para lidar com os vários aspectos da crise atual. As lógicas econômicas que escandalosamente favorecem grupos poderosos sacrificando o bem comum, o respeito aos pobres e a preservação da casa comum somente poderão ser superadas a partir de qualificadas lideranças políticas – cidadãos com visão humanística e capacidade para intuir os caminhos do equilíbrio, da garantia da justiça e do bem.

Investir agora no diálogo que promove a política melhor permite desenvolver critérios adequados que possibilitem eleger representantes do povo com a competência para ajudar na recomposição da sociedade, promovendo reformas em interlocução com diferentes segmentos. Aos que pretendem se candidatar a cargos nos poderes, é importante lembrar: não é adequado apresentar-se como defensor de alguns princípios, atendendo expectativas de grupos específicos, mesmo com prejuízos a uma política salutar, capaz de reformar instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos para a superação de pressões e inércias viciosas. O Papa Francisco, lucidamente, sublinha que o papel da política melhor não pode ser substituído pela economia. Importa muito, agora, mesmo na exiguidade do tempo e considerado o tamanho da demanda, intensamente dialogar sobre a política melhor.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).