Em 1963, Alfred Hitchcock lançou o clássico de suspense que dá título à minha crônica de hoje.

No filme, milhares de pássaros se instalam numa pequena cidade e começam a atacar as pessoas. A obra, além de um primoroso triller, é um portento cinematográfico, tendo em vista as limitações técnicas numa era pré efeitos especiais em computador. Se não viu, veja! Aliás, veja tudo do genial Hitchcock.

No mesmo ano, talvez assustados pela estranha ameaça ornitológica que era exibida nos cinemas, os políticos da jovem Belo Horizonte de então tomaram uma drástica decisão; o corte pela raiz dos trezentos fícus que haviam sido plantados no alvorecer do século XX ao longo da avenida Afonso Pena, a principal da cidade, pouco depois da fundação da capital (1897), e que lhe deram o título de “Cidade Jardim”.

Não tendo árvores, não haveria pássaros.

Assim, naquela manhã de 20 de novembro de 1963, os moradores de BH foram surpreendidos pela devastação iniciada na madrugada. Na sequência, ao longo de toda a década de 1960, muitas outras vias tiveram sua arborização derrubada visando seu alargamento e dando lugar aos carros que chegavam com o crescimento da indústria automobilística.

Em 1963 eu tinha dez anos. E ainda me lembro de passar pela Afonso Pena, nos fins de tarde, e ouvir a estridente “sinfonia de pardais, anunciando o anoitecer. E a cidade inteira, no fim do dia, rezava uma prece, Ave Maria”…

Os pardais se foram. Não sei há quanto tempo não vejo algum deles. Desapareceram, junto com os canários da terra, os chapinha, os tico-ticos, os sabiás e os tizius. Em seu lugar chegaram primeiro os bem-te-vis e as rolinhas, inimigos naturais dos pardais.

Foi o primeiro sinal de um estranho êxodo rural ornitológico que foi aumentando com o tempo. Hoje, da minha janela, toda manhã e toda tarde vejo passar um bando de barulhentas maritacas vindo não sei de onde e indo pra também onde não sei. Um casal de gaviões fez ninho à sombra de uma antena parabólica, no prédio ao lado do meu. Já vi dois imponentes tucanos sobrevoando meu terraço, de olho na piscina.

A poucos quilômetros daqui, na orla da Lagoa da Pampulha, onde caminho, a festa fica por conta de biguás, garças, melros, paturebas; segundo especialistas, mais de cem espécies moram ali!

Nos campos de futebol, como o Mineirão, antes só havia o ninho da coruja, aquele ângulo entre o travessão e a trave, visado pelos batedores de falta. Pois agora os artilheiros têm que disputar espaços no gramado com os quero-queros.

O que parece bonito, na verdade revela uma tragédia. Todos foram expulsos do seu habitat natural. E não apenas os pássaros. Estão, também, por aí, famílias inteiras de saguis, capivaras, esquilos e muitos outros outrora moradores das matas que circundavam as cidades e, hoje, dão lugar à mineração, agricultura de exportação, pecuária, devastação.

Agora, mais uma tragédia de proporções inimagináveis se anuncia. O governo Zema assinou um acordo de 37 bilhões de reais com a Vale, para reparar os danos provocados pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão. Mas, como esse pessoal não faz nada pra perder, já enfiaram nos projetos mais um animal, um jabuti de 4,5 bilhões, o Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte (já apelidado de Rodo Minério) que atravessará áreas de conservação ambiental, como o Parque da Serra do Rola-Moça, mananciais de água, cartões postais já muito degradados, como a Serra da Curral e, talvez o mais grave, vai abrir novos espaços e áreas passíveis de mineração em benefício de quem, de quem? Da própria Vale…

Estou convocando, a modo de George Orwell, outra revolução dos bichos. No caso, do bicho homem, especialmente das crianças, jovens e adolescentes que nunca viram um pardal.

Aproveitem que hoje vocês têm as redes sociais e façam valer a voz e a vez do futuro de vocês.

Este velho professor não verá mais, os pardais. Nem hei de ouvir cantar, uma sabiá, sei lá…

Mas, quem sabe, meus netos, que tardam…

 

Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.