A terra é boa e a gente daquele lugar não é tão diferente de outras gentes, de lugares alhures por onde se passam fazendo negócios, escambos, trocando cultura, cada pessoa é, em si, seu próprio quinhão. Era. Num repente chegou a alma branca e a cruz carregadas de infernos, purgações, doenças, e dor, e miséria, e fome, e desavenças…

Veio pronta, inevitável como terrível endemia e a pele preta de José Jurandir de Caioaba viveu sua primeira solidão em sórdida agonia. Mesmo quem não sabia ler sortilégios, viu a coisa branca se espalhar. E noutro repente o que era endemia alcançou a gente que era boa e as terras daqueles lugares, devorando tudo, ouro, ciência, saberes, corpos, como voraz endemia.

E a pele preta de José Jurandir de Caioaba viveu sua segunda solidão em sórdida agonia.

Caçado, dominado, submetido, revoltado chegou aqui e acolá desnascido, mas havido. Passageiro ido de um útero vazio, enjoou no balanço lúgubre do Atlântico e outros mares. Viveu no minguado berço, que a um só tempo era esquife e ataúde, donde pelas brechas via bizarras estrelas, e sentia a água nos ossos.

E assim por ser tão vida, como a vida exigia, sobreviveu a voracidade da primeira pandemia. A mais cruel, a mais suja, a mais longa, a que se inaugurou na nefasta travessia.

E por quatro séculos não houve reza, feitiço, simpatia, ou remédio que curasse a maldita escravização e as sequelas daquela pandemia. E a pele preta de José Jurandir de Caioaba viveu sua terceira solidão em sórdida agonia.

Não foi pela manhã ou à noite naquele chão, foi exato quando parido no tempo explicito de vinte e oito dias no porão do tumbeiro, na sina insana do seu primeiro e único exílio. E feito um rio que desagua em nada vagou por muitos caminhos d’águas sem ser a barco, peixe, ou naufrágio.

Seus iguais sofreram mais que ave Maria, zombando dos algozes ignorou o que podia, enquanto dentro de si a ferida mais fervia José Jurandir de Caioaba fez muitas revoluções no corpo, na fé, na fala, no olhar, nos sentimentos que se espalhavam dia e noite, noite e dia. E hoje.

Renitente, as trevas expandiam a mesma pandemia, semovente, algodão, açúcar, fumo, minério e café, de tanto ser engolido fez-se paisagem da doença para nos levar a tão, agora, poderosa resistência como se fossemos rizomas, teias de uma mesma urdidura, onde toda a gente preta, sem igualdade ou lamúria, quer reaver seus haveres reparados.

Agora que a doença mata qualquer cor de gente, José Jurandir de Caioaba, viu um asno de terno, broche na lapela, falando arrouba, como arroba, tratou de se recolher com seus queridos entes, foi ser solidão até a pandemia verborrágica passa.

Ele Semog Semog