Anualmente, em março, a Igreja Católica no Brasil promove a Campanha da Fraternidade, sempre sobre um tema de relevância para que a sociedade possa ser mais justa e mais igualitária. Também em março, sempre no dia 08, a ONU celebra o Dia internacional da Mulher. O objetivo desta comemoração é educar toda a humanidade sobre a necessária igualdade de direitos e condições entre homem e mulher, no respeito às diferenças de gêneros e na construção comum de um mundo novo possível.

Entre os diversos assuntos aos quais a Campanha da Fraternidade se dedicou, no decorrer desses mais de 50 anos, ainda não apareceu o desafio da promoção da igualdade de gêneros. Mesmo na Igreja Católica, muitos eclesiásticos pensam existir uma ideologia de gêneros e se colocam contra esse mito. Infelizmente, embora o evangelho de Jesus tenha como princípio a igualdade absoluta entre homens e mulheres, até hoje, a Igreja Católica e as Igrejas ortodoxas não se abriram à participação igualitária da mulher e do homem nos ministérios e nos cargos de maior responsabilidade na Igreja. Como Igreja é fundamentalmente Igreja local, essa mudança só poderá ocorrer a partir das bases. E aí sim, as comunidades cristãs poderão dar um verdadeiro e profundo testemunho do reinado divino que vem a esse mundo.

É urgente criar no mundo e nas Igrejas uma nova cultura de inclusão e superar o patriarcalismo e o machismo que fazem mal a todos, mulheres e homens. Nas sociedades tradicionais da América Latina, o machismo se infiltrou nas culturas de nossos povos. No entanto, muitas vezes, determinadas culturas, patriarcais e machistas nas relações afetivas e românticas, em outras instâncias, são matriarcais. Também o feminismo tem muitas correntes e variações. Cada uma delas nos chama a atenção para um aspecto da realidade.

Na América Latina, em movimentos indígenas e camponeses, as mulheres têm sido profetizas do cuidado com a terra, na relação de amor com a natureza e em propor novas relações no seio da família e da sociedade. A meta do bem viver tem algo que somente uma justa e profunda relação de gêneros pode alcançar.

Em todos os países da América Latina, as taxas de feminicídios, isso é, crimes nos quais mulheres são assassinadas por serem mulheres, são das mais altas do mundo. Além disso, a violência cotidiana de mulheres que são agredidas por companheiros ainda é assustadora. Nos nossos dias, ao vermos filmes e novelas sobre o tempo da escravidão, nos perguntamos como nossos antepassados puderam conviver com tanta atrocidade. Sem dúvida, no futuro, quando nossos netos e bisnetos estudarem como era o mundo em nossa época, vão saber de que lado estávamos nós e o que fizemos contra esses crimes que ocorrem sob nossos olhos e diante de nossa consciência. Não vamos poder dizer, como no mito do paraíso perdido, “a serpente nos enganou”.

Nessa semana na qual o mundo inteiro será mais sensibilizado para a causa da mulher e da igualdade de gêneros, as comunidades cristãs são, especialmente, chamadas a aplicar a Campanha da Fraternidade de 2020 ao tema da solidariedade à causa da mulher. É preciso olhar toda a sociedade (não só as mulheres) como ferida pelo patriarcalismo e compreender a palavra de Jesus: vai e faze o mesmo como o apelo para que olhemos a realidade das mulheres nos meios em que convivemos, sejamos tomados pela solidariedade compassiva e juntos, mulheres e homens nos unamos no cuidado com a vida de todos e da natureza.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.