Por vezes, as palavras educação e futuro parecem inseparáveis, e não raro escutamos sobre como a educação prepara para o futuro, ou que a educação do futuro chegou. Mas o que é esse futuro, afinal? Esse lugar tão seleto e disputado que solicita uma formação adequada enquanto exclui quem não se encaixa no padrão? Que lugar é esse tão ambíguo, onde mora a salvação e, ao mesmo tempo, o “fim do mundo”? Será que a corrida para o futuro não tem ignorado completamente o passado? E o que a educação tem a ver com tudo isso?

Para o pensador, escritor e ativista do movimento socioambiental e dos direitos indígenas, Ailton Krenak, essas perguntas são complexas e englobam temas como infância, ancestralidade dos povos e os conceitos de passado e futuro desenhados pelas sociedades modernas. Durante uma conversa exclusiva no 2º Congresso LIV Virtual, conduzida pela psicóloga e coordenadora pedagógica do LIV, Renata Ishida, o autor falou sobre esses temas e explicou por que, em sua visão, a educação deveria se preocupar mais com o presente do que com o futuro.

O conceito de formar para o futuro
Nascido na região do Vale do Rio Doce (MG), no território do povo Krenak, Ailton tem se tornado uma das vozes mais ativas na comunicação e tradução da cosmovisão dos povos indígenas. Em seus livros e textos, ele coloca em pauta as relações da sociedade contemporânea com esses povos e com a natureza, e como isso afeta nosso conceito de futuro. Durante o 2º Congresso LIV Virtual, o escritor defendeu que a educação como a conhecemos tem focado majoritariamente em um futuro imaginário e ignorado o que pode ser realizado no presente: “O futuro não existe, ele é uma prospecção”, defendeu.

“Se nós buscarmos esse futuro somente como uma prospecção, como uma seta, sempre prospectando em direção reta, a gente estaria construindo aquilo que a querida Chimamanda [Ngozi Adichie] alerta: um mundo com uma narrativa só. […] O risco de projetar o futuro com uma narrativa só é muito grande, porque ele vai estar embalado nessa aceleração, e nós estamos vivendo uma experiência real de aceleração do tempo. […] . Muitos cientistas já observaram que essa aceleração está mudando inclusive a maneira como as crianças estão experimentando a infância. Ao invés de experimentar como um lugar folgado, elas estão caindo nesse lugar como uma chapa quente, onde elas têm que responder perguntas do mundo, e isso é muita violência para aquele primeiro período da infância”.

Para Ailton Krenak, em vez de ofertar um futuro produzido por adultos, deveríamos recepcionar a inventividade da infância que faz parte da natureza das crianças. E destaca: “As crianças, em qualquer cultura do mundo, são portadoras de novidade. Ao invés de ser pensada como uma embalagem vazia que precisa ser preenchida, entupida de informação, nós deveríamos considerar que dali de dentro emerge uma criatividade e uma subjetividade capaz de enfrentar outros mundos, e seria muito mais interessante do que inventar futuros”.

A experiência humana na primeira infância
Defensor do contato das crianças com a natureza, o pensador falou também sobre sua infância e sobre a liberdade de poder crescer livre ao ponto de “se confundir com a natureza”. Para ele, essa “experiência implica sentir a vida nos outros seres, em árvores, numa montanha, num peixe, um pássaro, e implica que a presença deles não só acrescenta à paisagem que habito, mas modificam o mundo”. Segundo Krenak, essa potência de perceber-se pertencendo a um todo e podendo modificar o mundo poderia ser uma ideia de educação.

“O futuro é uma ilusão de ótica”
Ainda segundo Ailton Krenak, para que possamos promover uma experiência educativa que não tenha como objetivo formatar o aluno, mas sim oferecer espaço para a criação e a invenção, “vamos ter que fazer uma revolução nas práticas educativas que estão determinadas”, aponta, e destaca:

“Desde a modernidade, independentemente de sermos ocidentais ou orientais, fomos todos provocados a uma inserção no mundo que é de maneira competitiva. Essa competitividade que foi estimulada durante séculos acabou formando um mundo de pessoas que são jogadores, são dados. Se o futuro der certo, bingo! Mas o futuro não existe, existe o aqui e agora. Estamos vivendo projeções de futuros muito improváveis que venham a acontecer, mas preferindo o futuro ao presente. […] A fricção com a vida proporciona um campo de subjetividade que prepara a pessoa para qualquer tarefa na vida. A gente não precisa formatar alguém para ser alguma coisa, mas antes pensar na possibilidade de proporcionar experiências que formem pessoas capazes de realizar tudo o que é necessário”.

Porvir