Por todo o Brasil, neste começo do ano, principalmente nos ambientes do interior, muitas comunidades vibram com danças populares que unem a fé e a cultura popular. Essa sabedoria nos ensina que, como cantava Chico Buarque: Deus é um cara engraçado que gosta de brincadeira. No Nordeste, as crianças dançam o pastoril e o reizado. Em Minas Gerais, Goiás e outras regiões, entre 25 de dezembro e 06 de janeiro, homens e mulheres simples percorrem as roças e refazem as folias de Reis. De casa em casa, levam a bandeira do Menino e invocam a benção divina para as famílias. Através de cânticos e do toque de tambores e sanfonas, encenam a peregrinação que, conforme o evangelho, magos, ou seja sacerdotes de religiões pagãs, fizeram do Oriente até Belém para homenagear a Jesus.

Pouco importa se a página do evangelho que conta a visita dos sábios do Oriente ao menino de Belém é de tipo simbólico. Os próprios magos não são figuras históricas, mas a tradição os tornou reis magos e fez da viagem deles, conduzidos por uma estrela, do Oriente até Belém o protótipo de toda a busca interior e profunda que as pessoas vivem. A tradição os retrata como símbolos de raças diversas. Todo mundo lembra de Melquior, o rei negro. No Oriente, um ícone medieval apresenta uma mulher no número dos magos que viajaram a Belém.

Em sua mensagem de Natal, Pedro Ribeiro de Oliveira chama a atenção para o fato de que, atualmente, vivemos na sociedade do mercado dominado pelo capital. Hoje, o mercado não é mais composto por seres humanos, como eram as feiras do interior, onde o povo da roça troca sua produção por mercadorias industriais. Agora, o mercado é dominado por fantasmas chamados “pessoas jurídicas” que não têm outro objetivo na existência senão fazer multiplicar o capital nelas investido. Os seres humanos são meros empregados desses fantasmas. Devem, apenas, cumprir ordens anônimas que beneficiam o capital. (Como a Vale do Rio Doce, que este ano vai pagar mais dividendos aos sócios do que reparação às vítimas de seus crimes ambientais). Diante desses Herodes de hoje, bem piores do que o Herodes original, já que são corporações e não apenas um ditador, se torna mais importante do que nunca assumirmos o papel dos magos no caminho de Belém. Precisamos lembrar a esse mundo sem rumos que ouvimos a voz das estrelas. Mesmo de tradições, culturas e religiões diversas, nos reunimos e, juntos, vivemos a mesma aventura para apreender o mistério da vida. O sentido mais profundo das celebrações populares do Natal e dos Reis Magos é revigorar essa procura no mais profundo de cada crente. Hoje, os magos somos nós e todas as pessoas que não desistem da busca interior e se dispõem a aprofundar o diálogo na escuta e no aprendizado uns com os outros.

Nos nossos dias, o papa Francisco tem insistido em que a fé cristã se vive na inserção no mundo atual, na solidariedade a todos os grandes problemas da humanidade. A missão de quem é de Deus é fazer como Jesus: criar pontes e não muros. Fazemos isso quando aceitamos nos despojar de nossa autossuficiência e nos inserir na comunidade humana e na comunhão de todos os seres vivos. Para retomarmos essa busca interior e nos abrir ao diálogo com todos os irmãos e irmãs que se colocam conosco nessa estrada, o Natal nos convida a começar de novo e aceitar ser como crianças abertas ao amanhã. Adélia Prado, nossa grande poetisa, tem um poema-oração que diz assim: “Meu Deus, me dá cinco anos. Meu Deus, me dá a mão e me cura de ser grande”.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.