Vidas separadas. Histórias que transcorrem de um lado e do outro de barreiras levantadas pelos Governos de antes e de agora. Fronteiras de vários metros de altura edificadas sob o argumento da imigração e o terrorismo. Segundo dados de um relatório apresentado pelo Centro Delàs de Estudos pela Paz, atualmente, existem 63 muros, em 43 países, que, por sua vez, constitui uma fonte de renda para empresas relacionadas ao mundo militar e da segurança.
A reportagem é de Danilo Albin, publicada por Público, 17-11-2020. A tradução é do Cepat.
O documento “Mundo murado. Rumo ao apartheid global”, coeditado pelo Centro Delàs junto com o Transnational Institute, Stop Wapenhandel – ambas da Holanda – e a organização palestina Stop The Wall, inclui um detalhado relato sobre as políticas dos Estados que apostam em tais tipos de ferramentas para blindar suas fronteiras.
O estudo descreve o ocorrido principalmente após a queda do Muro de Berlim, símbolo da separação no coração da Europa, que caiu em 1989. “É realmente contundente que, 30 anos depois, estejamos em um mundo com mais muros do que nunca”. Ainhoa Ruiz, pesquisadora do Centro Delàs e coautora do relatório, destaca que precisamente “de 1968 até a queda do Muro de Berlim, em 1989, foram construídos seis novos muros, ao passo que a partir desse ano foram erguidos outros 57”.
Em relação às “regiões com países que mais impulsionaram a política de construção de muros fronteiriços”, destaca que a Ásia acumula 56%, seguida pela Europa, com 26%. “Com uma porcentagem menor segue a África, com 16%, ao passo que a América só apresenta um muro, o construído pelos Estados Unidos na fronteira com o México, representando o 1% restante”, aponta. Nesse contexto, destaca que 4,6 bilhões de pessoas no mundo (60,98%) “vivem em um país que construiu muros em suas fronteiras”.
Atualmente, Israel é o país “com o maior número de muros (seis), seguido por Marrocos, Irã e Índia (três), e África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Turquia, Turcomenistão, Cazaquistão, Hungria e Lituânia (dois)”. Aponta-se também que a “Índia construiu três muros fronteiriços de 6.540 km de extensão, o que significa que 43% de suas fronteiras estão muradas”.
O Saara Ocidental, atualmente no foco informativo, também aparece neste relatório. Lá se destaca que o território “tem um muro construído pelas forças de ocupação marroquinas considerado ‘a maior barreira militar funcional do mundo’, de 2.720 km de extensão, cercado por nove milhões de minas terrestres, o que o torna um dos países mais minados do mundo”.
O estudo destaca que “por motivos migratórios foram construídos um total de 38 muros, de 1968 a 2018”, ao passo que outros 22 foram erguidos por “razões de terrorismo”. “Os dados mostram que o mundo avançou para uma política de muros para frear problemáticas de diversas causas. Não deixa de surpreender, sobretudo, que a entrada em um mundo globalizado trouxe mais muros do que nunca na história da humanidade. Este fato desperta diversas interrogações sobre o valor, significado e funções que os muros possuem para as sociedades contemporâneas”, aponta o documento. Para Ruiz, tudo isto encerra “uma narrativa da segurança, segundo a qual as migrações são entendidas como uma ameaça”.
As cercas espanholas
Em suas páginas também se reflete a situação em Ceuta e Melilla. “A cerca de Melilla começa a ser levantada em 1996, sua altura aumentou 6 metros após a denominada Crise da cerca” de 2005, em uma tentativa de centenas de imigrantes atravessar as cercas de Ceuta e Melilla, quando morreram cinco pessoas baleadas pela Guarda Civil”, descreve.
Após destacar que, “em 2007, acrescenta-se às duas cercas já existentes em Melilla o denominado aço tridimensional, um tipo de cabo metálico trançado colocado entre a cerca externa e interna que atua como uma armadilha que impede a mobilidade da pessoa que cai nela”, ressalta que “um dos elementos mais polêmicos das cercas foram as concertinas (arame farpado), que em 2007 foram retirados apenas parcialmente, para depois voltar a ser instaladas em sua totalidade”. Em tal sentido, especifica que, “em janeiro de 2020, começou sua desinstalação, embora no lado marroquino esteja ocorrendo a sua instalação”.
Os autores do estudo ressaltam que “não ficou esclarecido se empresas estiveram envolvidas nas etapas iniciais da construção da cerca em Ceuta e Melilla”, ao mesmo tempo em que apontam que, “em 2005 e 2006, foram conferidos dois contratos à empresa espanhola de tecnologias da informação e consultora Indra, no valor de 21 milhões de dólares para construir cercas adicionais em Melilla”. Destaca, além disso, que Ferrovial e Dragados foram os principais contratados para a construção e reparação das cercas de Ceuta”.
Destaca, além disso, que “em inícios de 2019, o Governo espanhol contratou a empresa armamentista ISDEFE para realizar um estudo preliminar para modernizar a segurança fronteiriça em Ceuta e Melilla, resultando em um plano de 17,9 milhões de euros para mudar novamente a infraestrutura fronteiriça nas duas cidades”.
Lucros econômicos
Precisamente, o relatório destaca que “enquanto os muros e as cercas muitas vezes são construídos por empresas de construção locais, às vezes, até mesmo pelas próprias forças militares ou de segurança, toda a equipe de acompanhamento, tecnologias e serviços proporcionam uma longa lista de oportunidades de lucros para a indústria”.
Não em vão, ressalta que “a indústria militar e de segurança é uma das forças impulsionadoras da militarização das fronteiras, incluindo a construção de muros e cercas”. Para isso, impulsionou uma narrativa em que a migração e outros desafios políticos e/ou humanitários na fronteira são tratados principalmente como um problema de segurança, para o qual a construção de muros e cercas, junto com o uso de equipes militares e de segurança, se apresentam como a solução”, acrescenta.
Danilo Albin, Público – IHU