Falando em Rede Social, lembrei daquela rede da parábola que, jogada ao mar, pega de um tudo. Na praia, cabe aos pescadores separar os peixes bons dos maus.

Penso que na vida, em geral, também é assim. Diante de um tudo de pessoas que cruzam nosso caminho, que caem na nossa rede, temos a trabalhosa tarefa de discernir quem é “nada a ver”, e deve seguir seu próprio caminho, e quem deve ficar, pois que meu coração se faz seu ninho.

Também nas Redes, diante do volume imenso de informações, imagens, opiniões e mensagens que nos chegam, temos a trabalhosa tarefa de discernir entre o descartável e o aproveitável.

Outra imagem me ocorre. É isso que faz o garimpeiro quando mete sua bateia no leito do riacho e a tira, cheia de areia, pedras e cascalho. Então, suas mãos experientes vão lentamente lavando a bateia, em movimentos circulares, os olhos atentos, na expectativa de que, entre aqueles entulhos e pedregulhos, algo brilhe.

Dezenas, centenas de vezes a bateia mergulha no rio. Na maioria delas volta cheia de nada. Mas o garimpeiro não desiste. É sua sina esperançar. “Um dia vou bamburrar”, ele diz, no seu dialeto de mineirador.

De vez em quando, muito raramente, acontece… Em meio às pedras e ao cascalho há um pontinho que brilha. Uma faísca de luz que acende outras luminescências no coração do garimpeiro. Uma pepita de ouro, uma pedra preciosa que, se ainda não mudam a vida, ajudam a levá-la, por mais um tempo…

Meu olhar orante me ensina que navegar nas Redes Sociais é fazer a experiência do pescador, do garimpeiro. Jogar a rede ou mergulhar a bateia dos olhos nesse rio virtual e fazer aflorar de lá pessoas, experiências, lembranças, palavras, frases, imagens e textos a modo de cascas de coco, sabugos de milho, cascalho, pedras e areia. No movimento circular, cotidiano, agitar os sentimentos e perceber o que vêm à tona. E aí, deixar-se afetar…

Por experiência própria, sei que a vida, no mistério imenso da sua liberdade, impõe a todos nós dificuldades e sofrimentos os mais variados. E não adianta ficar fazendo campeonato de desgraça (tem gente que adora), pois a dor mais doída é a que dói em cada um de nós, por uma razão bem simples: é a nossa dor.

O mesmo cotidiano que nos traz alegrias gratuitas tem, também, sua cota de perdas dolorosas, decepções, conflitos na vida pessoal e familiar, fracassos no trabalho, nos afetos.

Todos enfrentamos em alguma medida, em algum momento, essa dualidade. A vida, com frequência, insiste em rimar Amor e Dor. Nesses tempos de pandemia, então, quanto sofrimento…

Sem resvalar para um maniqueismo ingênuo, percebo dualidade também na forma de lidar com essas situações. Há quem encare a dor (todas as dores) como uma PORTA enquanto outros a veem como uma JANELA. Eu explico.

Numa determinada circunstância, contra meus planos e expectativas, a vida me diz NÃO. Eu posso entender e acolher esse NÃO como uma ‘porta’ pela qual tenho que passar. É inevitável. Quem se dispõe a encarar a vida em todas as suas possibilidades vai descobrir que, mais que viver, somos chamados a con-viver, o que supõe correr riscos, assumi-los, enfrentá-los. Afinal, “viver é perigoso” e por mais estreita que seja a porta é preciso passar por ela. Pode ser difícil, constrangedor, até humilhante. Mas, por portas, a gente passa…

Há também um outro modo de olhar. São os que veem a dor como uma janela. A janela é, na casa, o lugar de onde vemos a paisagem à nossa volta. Janelas, ao contrário de portas, tem parapeitos onde podemos nos recostar e, muitas vezes, melancolicamente, ficar olhando. Veja que isso é diferente de contemplar. A contemplação traz inspiração. Eu mesmo sou privilegiado e tenho da minha janela, uma belíssima vista que contemplo na paz, admirando a beleza e alimentando o desejo de sair da mesmice, do comodismo, de descobrir o que há além daquele horizonte.

Transformar a dor numa janela por onde apenas vemos a vida passar é condenar-se à prisão perpétua do sofrimento. Junto com a dor vem a mágoa e logo a seguir o rancor. O resultado amargo é que nos tornamos péssimas companhias, até para nós mesmos. O sofrimento é uma porta, por vezes inevitável, mas é uma porta. Porta de saída, não de entrada. É lugar de passagem.
Passagem… Páscoa!

Para lá caminhamos! O Tempo da Quaresma nos lembra isso. A vida está repleta de histórias de dor, mas não fomos feitos para ela. Gente é pra brilhar, garantiu São Caetano.

Passando pela porta da dor, do fracasso, da perda, nosso horizonte é o Tempo Pascal, é a Vida Nova.

No entanto, há quem se conforme em permane-Ser como Carolina, irmã da Januária, cantada por São Francisco Buarque de Holanda, que “nos seus olhos fundos, guardava tanta dor, a dor de todo esse mundo”…

Ô da janela, o que você guarda no seu coração?

 

Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.