Muita complexa a situação da Igreja Católica Romana (ICAR). Lemos hoje, 13/02/2013, na FSP, em reportagem de Patrícia Britto, que o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (e que participará do próximo conclave) sublinhou que “dificilmente o papa que substituirá Bento XVI mudará a forma como a igreja lida com temas considerados polêmicos” e “que será difícil simplesmente dizer sim àquilo que é proposto pela sociedade ou pelos legisladores” . Essa é, infelizmente, a cantilena que sempre estamos a ouvir por parte de segmentos da hierarquia atual. Uma dificuldade impressionante de ousadia e profetismo.

Vale ressaltar algumas notícias dos periódicos internacionais sobre a atual crise no Vaticano, em particular as reflexões de Massimo Franco no Corriere della Sera . Na sua avaliação, o que assistimos hoje é o “sintoma extremo, final, irrevogável da crise de um sistema de governo e de uma forma de papado”. E fala da deriva de uma igreja-instituição que em poucos anos passou da condição de “mestra de vida” para “pecadora”, de “ponto de referência moral da opinião pública ocidental, a uma espécie de ´acusada global`, agredida e pressionada por segmentos diversificados.

Clovis Rossi chega a falar em sua coluna na FSP de uma “guerra civil no Vaticano” . E o filósofo italiano Gianni Vattimo, em seu blog – reproduzido no jornal Il fato quotidiano (13/02/2013) – sublinha que a demissão era a única coisa que um papa poderia seriamente fazer. Ele acrescenta que se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores “abandonaria imediatamente o Vaticano, e talvez retornasse à Palestina para estar junto aos perseguidos e expropriados daquele lugar, e não perderia mais seu tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da política italiana (…)”. Para Vattimo, a renúncia papal indica um distanciamento das “funcionalidades terrenas” e a necessidade de apontar, talvez, a “face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho”, abrindo a possibilidade para o cristianismo de se tornar novamente “uma escolha de vida possível para as pessoas de nosso tempo” .

Leonardo Boff fala também no último texto de seu blog sobre a importância de retomada de um modelo dialogal para a igreja, de sintonia com o Vaticano II, Medellin e Puebla, de uma “Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos”, de liberdade e criatividade. E Hans Kung em seu recente livro – Salviamo la Chiesa -, indica a necessidade de um tratamento para a igreja, de uma “terapia ecumênica” que ajude a vencer a “osteoporose do sistema eclesiástico” . E coloca o dedo na ferida, ao falar da necessidade imperiosa de uma reforma da cúria romana à luz do Evangelho. Uma reforma que deverá contemplar: humildade evangélica (com renúncia de todos os títulos honoríficos estranhos à Bíblia), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica e liberdade evangélica.

Nesse delicado momento de preparação do conclave que escolherá o novo papa, os analistas chamam a atenção para problemas internos da cúria romana, que também pressionaram a decisão de renúncia de Bento XVI. Em entrevista publicada hoje no O Globo, o renomado teólogo espanhol, José Ignacio González Faus faz menção a tais pressões. Ele sinaliza: “Não estranharia que a renúncia estivesse ligada a problemas com a Cúria”. O papa “já arrastava problemas com a Cúria desde que afastou do sacerdócio Marcial Maciel, acusado de abusos sexuais” . Chama a atenção para aquela oração proferida pelo então cardeal Ratzinger na cerimônia da sexta feira santa em Roma, em comentário da IX estação da via sacra. Reproduzo aqui o que ele disse no ocasião:

“Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência!” “Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos.”

Segundo González Faus, os intérpretes em avaliação feita na época, achavam que ele estivesse se referindo à pedofilia na igreja, mas em verdade, os indícios apontam que poderia ser uma alusão à Cúria romana, essa mesma cúria que terá voz ativa na eleição do próximo papa em 2013.

 

Faustino Teixeira
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.