Quaresma é uma “quarentena”. Quarenta dias de vigilância, recolhimento, mudança! O que não nos falta são quarentenas e distanciamentos. No entanto, necessitamos de uma Quaresma distinta. Essa está muito estranha. É a primeira que a vivenciamos totalmente reféns da pandemia do Coronavírus. Uma quaresma com mais de 10 milhões de infectados e próximo dos 250 mil mortos, só no Brasil.
Quaresma é um tempo para renovar a fé, a esperança e a caridade, escreve papa Francisco em sua Mensagem para a Quaresma – “Vejam, estamos subindo a Jerusalém” (Mateus 20,18). O papa oferece as virtudes teologais como caminho. Caridade é cuidar uns dos outros, transmitir a esperança em meio a incerteza, testemunhar a fé em meio ao descrédito.
O Evangelho deve pautar o sentido da Quaresma. Essa deve ter como princípio não apenas o discurso: não basta dizer “sou pecador e quero fazer penitência”, mas é preciso escutar a voz que diz “És meu filho amado. Em ti coloco meu amor” (Marcos 1,11). Conversão é graça. O princípio de toda conversão reside nesse reconhecimento. Todos, sem exceção, somos fruto do amor de Deus. Quaresma é redescobrir que somos filhos do mesmo Deus e recomeçar a viver como iguais em mesma dignidade. A experiência de Deus deve ser o grande motivador dos gestos quaresmais.
Sempre que um ser humano se dispõe a concretizar sua filiação divina, acaba descobrindo a presença de Deus. Quaresma, então, é uma prova. Não prova de jejum e penitencia, mas de permanecer fiel ante as tentações satânicas que querem dividir a família de Deus.
Testemunhar o amor de Deus: esta é a verdadeira prova da conversão. Não somos cristãos para separar-nos da sociedade. Ao contrário, somos batizados para entranharmos mais intensamente nos problemas do mundo e expandir o Evangelho. Chamados a colaborar para que todos os humanos possam sentir-se filhos e filhas amadas de Deus em Cristo.
Quaresma é um período forte, na sua origem está o amor. Sem amor, é inútil fazer vigília, jejuar e rezar “mais”. Jejum e penitência têm sentido somente se aumentam no penitente a fome da experiência de amar Cristo presente no próximo. Fora disso, é ascetismo hipócrita. Quaresma é feita de compaixão com os sofredores. Quaresma é aprender a amar a vida, a doar a vida na esperança da ressurreição. É Evangelho: “Misericórdia quero, não o sacrifício” (Mateus 9, 13)!
Jejuar? É acordar todos os dias com a determinação de erradicar uma injustiça contra os pobres. “O jejum que Me agrada é partilhar teu pão com quem tem fome” (Isaías 58, 6-7). Esmola? É não virar as costas para uma pedinte ou morador de rua. Oração? Aquela que Jesus ensinou: saber que o Pai está em segredo e que nos vê em segredo. Nada de ficar repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos (Mateus 6,6-7).
É bom dar esmolas durante a Quaresma como sinal de caridade assistencial. A esmola aos pobres sobe como oferta diante de Deus (Atos 10, 4). Porém, o que vale mais é um compromisso de luta pela justiça e uma atitude constante contra o consumismo inútil.
É bom jejuar de vez em quando, como manda a Igreja, para sentir-se solidário com aqueles que jejuam por falta de comida, mas é melhor jejuar do egoísmo, do ódio, da discriminação, do racismo e das fake news. “Se alguém se considera religioso, mas não controla sua língua, sua religião não tem valor algum. A verdadeira religião, diante de Deus, é esta: cuidar dos órfãos e viúvas em seus sofrimentos, e não se deixar corromper pelo mundo” (Tiago, 1, 26-27).
Num país governado pelas sombras da morte e da corrupção, viver a Quaresma reforça o compromisso por fraternidade, paz e justiça.
Em meio à barbárie em que nos encontramos, “viver a Quaresma da caridade significa cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia devido à pandemia Covid-19” (papa Francisco). Esperar e amar. Amar e esperar. E cuidar.
Élio Gasda – Dom Total