Passada a ressaca do fim de um ano pra lá de esquisito, o que mudou na prática, de verdade?

Na maioria das vezes, apenas o calendário colado na geladeira.

As contas continuam chegando, o vírus continua reinando, o presidente continua zurrando (é quase inacreditável sua capacidade de se superar em matéria de estupidez).

Mas, não quero perder meu tempo falando desse asno. Prefiro buscar na sabedoria dos antigos, pistas para, não apenas desejar, mas fazer um ano realmente novo acontecer.

Nesse rumo, quero começar na boa companhia de Mahatma Gandhi, uma das figuras humanas que mais me inspira, que dizia: “Seja a mudança que você quer ver no mundo. Nada muda, se você não mudar”…

Então, o quê mudar em mim para que mudanças aconteçam no mundo?

Você já ouviu falar nos 7 pecados capitais, claro: Inveja, Luxúria, Gula, Preguiça, Ira, Avareza e Vaidade.

Taí uma boa referência. Pare um pouquinho. Pense, reflita. Desses, qual é o que mais te afeta pessoalmente, te faz sofrer, te envergonha?

Precisa mudar? Quer mudar? Como mudar?

Aqui vai um toque precioso, fruto do encontro entre as espiritualidades franciscana e inaciana (meus berços espirituais):

“Se você quiser servir bem a Deus, faça poucas coisas, mas a faça bem”, ensina Francisco de Assis.

“Não é o muito saber (ou fazer) que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente”, indica Inácio de Loyola em seus Exercícios Espirituais.

Então, o início de ano, de um ciclo de vida, de um tempo, é convite a dar “um passo de cada vez”. Não se empanturre de propósitos como se fosse cardápio de ceia de Natal. Você não vai conseguir comer nem cumprir tudo.

Seja humilde ao se corrigir. Reconheça seus limites, seja caridoso consigo mesmo e concentre-se naquilo que mais precisa ser modificado.

Não se preocupe em fazer muitas coisas novas, mas em fazer novas todas as coisas, renovar seu espírito com paciência e delicadeza.

Procure sentir e saborear internamente tudo aquilo que vivemos, reparar nos detalhes cotidianos, nos pequenos acontecimentos, e recolher para si aquilo que mais lhe toca, que mais o/a aproxima do fim para o qual foi criado(a).

Então, peça ao Espírito Amoroso para te inspirar, te ajudar a identificar entre os “pecados capitais” aquele que mais se faz presente em você, que o torna mais frágil e vulnerável e se perguntar: que resposta posso dar a este pecado?

A partir daí, construa seu projeto de renovação, seu plano espiritual para o ano que começa. Coloque o foco, não no pecado, mas na virtude, o antídoto que o ajudará a superá-lo.

Seguindo a ordem acima, quero dar algumas pistas, hoje, sobre um dos “pecados” mais comuns: a INVEJA.

Sentimento estimulado por uma cultura que consome coisas e pessoas com a mesma voracidade. “Eu tenho, você não tem”, é o jingle que traduz à perfeição o mecanismo que nos transforma em lobos uns dos outros.

A inveja não leva apenas a cobiçar a vida do outro, mas a desprezar sua própria vida. O invejoso tende a não se satisfazer com suas próprias conquistas, mas colocar, em geral, as coisas do outro como objeto do seu desejo. Isso é um saco sem fundo e as consequências são trágicas: a inveja envenena os relacionamentos na família, no trabalho, na vida. Transforma mágoa em rancor, a partir de um sentimento de inferioridade que toma conta do coração do invejoso levando-o a sofrer e provocar ainda mais sofrimento ao seu redor.

A inveja é tão destruidora que, ao contrário de outros pecados capitais, como a luxúria e a gula, não proporciona nenhum tipo de prazer.

A virtude/antídoto contra a Inveja é, a SERENIDADE.

Acalme seu espírito, ordene seus desejos, serene seus impulsos. Você é filho/filha de um Deus que é Amor. Portanto, reconheça o outro como seu irmão, sua irmã, não como adversário ou competidor.

Aprenda a alegrar-se com as pequenas conquistas que a vida te proporciona, todo dia. Compartilhe das alegrias dos outros. Socialize sua felicidade.

Admire as pessoas à sua volta. Elas tem defeitos, eu sei, todos temos. Mas cada pessoa humana é um tesouro único, original, irrepetível.

Contemple nelas o solene espetáculo da vida que acontece, apesar de todos os nossos limites..

Enquanto escrevo essa crônica, uma tempestade ruge lá fora. Chuva, ventania, raios e trovões. Tudo o que chamamos costumeiramente de “tempo ruim”. No entanto, a chuva, ou o “tempo ruim”, é precioso instrumento da natureza para renovar a vida.

Serenamente…

 

Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.