Em Pessach lembramos:
O Farão que habita dentro de nós, em nossos temores de sermos livres, em nossa vontade de que os outros se submetam a nossos desejos, em nossa dificuldade de conviver com o diferente.
Que o nosso Farão interno não enxerga nem escuta, que é ignorante porque pensa que sabe tudo, e substitui o poder do sentimento pelo sentimento do poder.
E que os opressores externos podem ser derrotados, mas o opressor interno deve ser enfrentado durante toda nossa vida.
Como conta a Bíblia: foi curto o confronto com o Farão, mas foram necessários quarenta anos de travessia no deserto para aprender a viver em liberdade.
Por isso não saímos do Egito se somos escravos do dinheiro e do poder.
Nem quando somos dominamos por ressentimentos e ódios.
Ou quando oprimimos outros indivíduos e povos.
E demonizamos os que discordam de nossas posições.
Gritando em vez de conversar, falando sem escutar e procurando a perfeição e não o melhor possível.
Porque não saímos de Egito quando humilhamos e ofendemos.
E permitimos que que nossa a vontade de omnipotência nos retire a capacidade de ouvir, compreender e aceitar nossas limitações e as dos outros.
E a capacidade de rir de nossas limitações e dificuldades.
Não tratando nossos seres queridos como possessões, no lugar de apoia-los para que construam suas próprias identidades e caminhos, cada um com sua forma de ser.
Porque deixar de ser escravo não significa liberdade e autonomia.
Que depende de nossa capacidade de enfrentar adversidades e imprevistos.
E de não agir guiados pelo primeiro impulso de nossas emoções, sem refletir antes de falar ou fazer.
Porque o tamanho de nossa humanidade é dado pela capacidade de compreender as adversidades vividas pelos outros.
Não permitindo que a arrogância ocupe o lugar de nossas inseguranças.
Nem a vontade de controlar nosso entorno se transforme numa camisa de força que não nos permite respirar e tira o oxigênio dos outros.
Não deixando que nossos sofrimentos passados controlem nosso presente, pois quem vive em tempos mortos está morto em tempos vivos.
Por isso festejamos cada ano Pessach, para lembrar que a liberdade não é dada, nem nunca totalmente conquistada. Ela dever ser construída a cada momento, por cada povo, por cada geração, e por cada indivíduo. E assim agradecemos:
Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze.
Que vivemos, que existimos, que chegamos a este momento.
Bernardo Sorj
Sociólogo brasileiro, professor titular aposentado de Sociologia na UFRJ, diretor do Centro Edelstein e Plataforma Democrática.