Por que a noite de Pessach é diferente de todas as noites? Porque nesta noite somos uma família unida pela crença na liberdade:

 Judeus que se sentem ligados pela historia e cultura.
 E judeus que se sentem ligados por Deus.
 Judeus que seguem mandamentos religiosos.
 E judeus que se orientam pelos ditados de sua consciência.
 Judeus que acreditam que o Judaísmo é definido por livros sagrados.
 E judeus que vivem o judaísmo como um sentimento de pertencia sem garantias divinas.
 Judeus que acreditam na chegada do Messias.
 E judeus que acreditam que um mundo melhor só depende de nossos atos.
 Não judeus que o destino uniu ao judaísmo.
 E não judeus que compartilham desta noite da tradição judaica.

Como indivíduos somos parte de vários povos, comunidades e culturas, pois nenhuma pessoa nem grupo é uma ilha no oceano.

Nem as culturas são universos fechados, pois se alimentam das realizações e sabedoria do conjunto da historia humana.

E nenhuma pertencia nos fazem virtuosos, pois a virtude não está no grupo, mas no individuo, não nas palavras, mas nos nossos atos.

Por isso, devemos refletir sobre a frase: “Em cada geração cada um deve verse a si mesmo como si tivesse saído de Egito”.

Porque cada geração deve sair de seu Egito – mitzraym/tzar/estreites – e fazer a travessia na procura da liberdade. Lembrando que nada assegura de que se fomos oprimidos no passado hoje não nos transformaremos em opressores.

E em cada Pessach fazemos perguntas que cada um deve responder:

 O que dois mil anos de historia como minoria perseguida nos ensinam sobre o respeito a outros povos e crenças?

 O que dois mil anos de historia como minoria perseguida nos ensinam sobre os perigos do fanatismo?

 O que dois mil anos de historia como minoria perseguida nos ensinam sobre os efeitos nefastos de misturar crenças religiosas com o poder político?

 O que dois mil anos de historia como minoria perseguida nos ensinam sobre a necessidade as aceitar as diversas formas de viver o judaísmo?

O relato bíblico nos lembra que a saída de Egito retirou a opressão externa mas que o povo começou a viver em liberdade somente quando teve leis que asseguravam o respeito mutuo, juízo justo e equitativo para todos e que no falte comida na mesa dos pobres.

E a tradição foi renovada pelos profetas, que criticaram a injustiças perpetuadas pelos que dispunham de riqueza e poder.

E voltou a ser revigorada pelos rabinos e depois por intelectuais que adaptaram o judaísmo aos novos tempos.

Por isso cada geração deve ter seu Pesach, pois o judaísmo se renova constantemente, absorvendo o melhor que a humanidade nos oferece.

Porque Pesach nos ajuda a sermos melhores no presente:

Celebramos Pessach
Porque ainda nos escravizamos e amanha poderemos ser mais livres.
E daremos mais importância ao conteúdo que as aparências.
E nos preocuparemos mais com nosso mundo interior do que com a opinião dos outros.

Celebramos Pesach
Porque a liberdade nunca é definitiva.
E não deve ser confundida com sucesso.
Nem com bens materiais.
Nem pode ser comprada com dinheiro.

Celebramos Pesach
Porque a liberdade deve ser permanentemente conquistada.
Em cada momento de nossas vidas.
Porque a opressão muda de forma.
E cada geração deve encontrar seu próprio caminho.

Celebramos Pesach
Para lembrar que a liberdade de cada um se sustenta no respeito da liberdade de todos.
Onde a maioria não oprime a minoria.
Nem o mais rico o mais pobre.
Ou o mais forte o mais fraco.

Celebramos Pesach
Porque termos sido escravos não exclui que hoje sejamos opressores.
Nem termos sido pobres que hoje o sucesso não nos transforme em arrogantes.
E termos sido excluídos que hoje não sejamos excludentes.
E termos sido estigmatizados que hoje não estigmatizemos.

Celebramos Pesach
Porque sabemos que a liberdade é complexa.
E tem dimensões externas e internas.
E deve ser conjugada com amor e desejos.
Com reconhecimento social e acesso a bens materiais.
Com solidariedade e com egoísmo.

Celebramos Pesach
Sabendo que não pode se limitar a uma celebração ritualística.
Por isso nos identificamos com a luta pela liberdade do povo judeu.
E as lutas pela liberdade de todos os povos e grupos oprimidos.

Porque estamos dispostos a lutar por um mundo melhor, agradecemos:

Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze.
Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.

 

Bernardo Sorj
Sociólogo brasileiro, professor titular aposentado de Sociologia na UFRJ, diretor do Centro Edelstein e Plataforma Democrática.