Entre a liberdade e a escravidão

No deserto, toda a comunidade de Israel reclamou a Moisés e Arão. Disseram-lhes os israelitas: “Quem dera a mão de Deus não nos tivesse matado no Egito! Lá nos sentávamos ao redor das panelas de carne e comíamos pão à vontade, mas você nos trouxeram a este deserto para fazer morrer de fome toda esta multidão! ” (Êxodo 16)

Porque viver é uma luta constante entre liberdade e escravidão, entre a liberdade que nos deixa inseguros, e o desejo de segurança que limita nossa liberdade, Pesach nos lembra de que a vida é uma travessia:

Entre o medo ao desconhecido que pode nos mudar.
E a curiosidade e a coragem de abrirmos para novos pensamentos e experiências.

Entre as expectativas dos outros.
E agir de acordo com o que consideramos certo e errado.

Entre a insegurança que não nos permitem reconhecer nossos limitações.
E a ironia que nos permite rir de nossa forma de ser.

Entre a fixação no trauma.
E sua superação.

Entre as vitrines externas.
E a vida interior.

Entre se queixar.
E agir.

Entre o dogmatismo.
E a abertura á opinião dos outros.

Entre ter.
E ser.

Entre contemplar.
E possuir.

Entre querer tudo.
E estar satisfeito com o que se tem.

Entre o supérfluo.
E o essencial.

Entre impor.
E dialogar.

Entre falar.
E ouvir.

Entre um passado que nos oprime.
E um passado que nos ensina.

Em Pesach aprendemos que o opressor tem delírios de onipotência, e para impor sua vontade quer dominar e controlar os outros para que se ajustem a seu desejo. Mas os seres humanos somos finitos e mortais.

E porque somos finitos e mortais.
Não controlamos o mundo.

E porque somos finitos e mortais.
Vivemos na incerteza.

E porque somos finitos e mortais.
Temos medos, inseguranças e carências afetivas.

E porque somos finitos e mortais.
O outro é uma fonte de aprendizagem, apoio e alteridade.

E, como judeus, devemos sempre lembrar que Pesach nos ensina:

Que fomos perseguidos e nunca devemos perseguir.
Que fomos humilhados e não devemos humilhar.
Que fomos estigmatizados e não devemos estigmatizar.
Que fomos oprimidos e não devemos oprimir.
Que fomos confinados em guetos e ninguém deve viver em favelas.
Que toda escravidão termina em luta pela liberdade.

Por isso em Pesach festejamos nossa disposição a sermos livres sem ocultar nem negar nossos medos, inseguranças e carências, e afirmamos nossa vontade de amar e aprender, e os valores da liberdade e da justiça.

Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze.
Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.

 

Bernardo Sorj
Sociólogo brasileiro, professor titular aposentado de Sociologia na UFRJ, diretor do Centro Edelstein e Plataforma Democrática.