A maioria dos cientistas estão de acordo: a pandemia do Covid-19 foi mais rápida e cruel porque encontrou ambiente favorável na atmosfera poluída, nas águas profanadas pela mineração e na terra devastada pelo capitalismo. Por isso, além de nos proteger como humanidade contra esse vírus mortal, é preciso deter a crise ecológica que fere o planeta. Para isso, a ONU nos convida a, mesmo em quarentena, comemorar o 22 de abril como Dia Internacional da Mãe Terra. O objetivo é nos fazer sentir como humanidade, filhos e filhas da Terra e, assim, renovar o nosso amor e nosso cuidado com nossa casa comum.

Há duas décadas, o Painel Intergovernamental da Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), introduziu a ideia de “ponto de virada”, ou o ponto do não retorno. É o momento no qual não há mais como retomar ao que era antes. Os estudos mostraram que mudanças em alguns ecossistemas influenciam em transformações que passam a ocorrer em outros, como efeito, ou como uma peça de dominó derruba a outra. Quando se atinge determinado ponto, não há mais como restaurar a vida.

Atualmente, geleiras da Antártica se derretem. Em dez anos, o Oceano Atlântico teve aumento de um grau na sua temperatura. A Amazônia é transformada em pastagem. Quase dois terços das grandes florestas do mundo estão destruídas ou em ameaça de destruição. Calcula-se que, cada ano, 50 mil espécies desaparecem da Terra. A cada dia, lançam-se no ar, na terra e na água produtos químicos que, mesmo anos depois de lançados, continuam a causar morte. Aumenta a emissão de dióxido de carbono e outros gases que causam o efeito estufa na atmosfera. O buraco de ozônio que protege a atmosfera terrestre aumentou e ameaça a vida de populações inteiras e de muitas espécies animais. Assim, o aumento entre 1 e 2 graus será suficiente para atingir o ponto do não retorno.

Nestes meses de quarentena forçada da humanidade, um fenômeno surpreendeu a todos: em vários lugares do mundo, extremamente agredidos pela sociedade dominante, rapidamente, a natureza se revelou com energias de recuperação. Na lagoa de Veneza, bastou 15 dias sem barcos de petróleo a sujar as águas e já se viam peixes e pássaros marinhos nas margens e pontes da cidade. O mesmo fenômeno tem ocorrido em diversos lugares do mundo.

Muitas pessoas se perguntam quantos dias ainda faltam para voltarmos à normalidade. Essa normalidade seria o comércio aberto, as ruas cheias de veículos, os aviões atravessando todo o planeta. E os governos que cortam verbas para a saúde e educação gastam, como, no ano passado, US$ 1 trilhão e US$ 822 bilhões em armas, portanto, US$ 5 milhões por dia… As previsões para esse ano são de soma maior. Querem forçar as pessoas a trabalharem, correndo riscos, apenas para saciar a ambição da pequena elite da humanidade que desfruta dos benefícios desse sistema. Com vírus ou sem vírus, em todo o mundo, aumenta a desigualdade social. A maioria da humanidade simplesmente ignora isso e o planeta sofre as consequências.

É urgente estabelecer novo modo do ser humano se inserir na comunidade de todos os seres vivos que habitam o planeta. É preciso mudar a economia de modo a torná-la compatível com a dignidade humana e com a sustentabilidade ecológica. O problema não é tecnológico. É sobretudo cultural, social e político. Por isso, temos de nos dar conta da gravidade da situação e nos comprometermos em viver um modo novo de nos relacionar com a Terra, a água e o conjunto da natureza.

Nesse caminho, as religiões e tradições espirituais têm uma responsabilidade imensa. Todas as tradições espirituais redescobrem a relação com a Terra, a água e os elementos do universo como caminhos de intimidade com o Mistério Divino. Para salvar a vida na Terra, precisamos retomar um estilo de vida mais sóbrio e comunitário. Nessa celebração pascal, celebramos o Cristo Cósmico que ressuscita e assume o corpo do planeta Terra.

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.