Há menos de um mês desejávamos uns aos outros ano novo de paz. No entanto, do início de janeiro até hoje, o mundo continua imerso em um mar de violência. O presidente dos Estados Unidos assume oficialmente que, em ato terrorista, mandou assassinar um general do Irã e ao armar o atentado no Iraque, por acaso, matou mais onze pessoas. Na Europa, governos deixam migrantes clandestinos se afogarem no Mediterrâneo. No Brasil, mesmo sem guerra declarada, morre mais gente assassinada as nas periferias das cidades do que em muitos combates de guerra. Policiais e traficantes disputam quem mata mais. Cada dia, milícias particulares e membros da própria polícia exterminam rapazes da periferia e de preferência negros. O governador do Rio de Janeiro declara que matar bandido não fere a Constituição. Esse extermínio de jovens, com requintes de crueldade, lança o veneno da desesperança sobre o futuro.

O mais trágico é que muitos desses homens cujo esporte é matar ou provocar a morte de milhares de pessoas se dizem cristãos e não ligam a fé com a solidariedade e a defesa da vida. Ao contrário, fomentam uma cultura de intolerância e violência. Meios de comunicação transmitem a ideia de que a pena de morte é a única solução para os problemas do Brasil.

Em Nova Dehli, na Índia, nessa segunda-feira e durante toda a semana, milhões de pessoas visitam o túmulo do Mahatma Gandhi. Reverenciam o profeta da paz e da não violência, assassinado por um fanático religioso hindu, no dia 30 de janeiro de 1948. Ele ensinava que o único remédio para a violência é não entrar na mesma lógica. Insistia na não violência ativa e no caminho da verdade. Mais de 70 anos depois, a humanidade ainda não aprendeu. Nos anos 60, nos Estados Unidos, o pastor Martin-Luther King perdeu a vida. No entanto, através da não violência ativa, venceu a luta contra a discriminação racial. No Brasil, Dom Helder Camara consagrou sua vida à luta pacífica pela justiça e pela paz.

No livro Pedagogia do oprimido, Paulo Freire afirma que estamos mal porque seguimos um mau modelo de sociedade e não nos damos conta de que é um caminho equivocado. As pessoas são orientadas a competir. Vencer na vida passa a significar exercer um domínio sobre outros. A cada dia, a Mãe Terra, explorada e ameaçada, grita de dor. E a humanidade segue sua luta por paz. No entanto, como imaginar que pode ter paz um mundo no qual um pequeno grupo de pessoas privilegiadas possui 90% dos bens disponíveis para todos e o resto, mais de 80% da população da terra tem de viver com quase nada?

O capitalismo mundial é uma iniquidade, responsável pela morte de milhões e pela infelicidade de povos inteiros. Como isso não se faz impunemente, o sistema se protege com imensos gastos em armamentos. Não se dá conta de que a única coisa que geraria verdadeira segurança seria a igualdade social. No momento atual, nenhum país em crise busca alternativas para esse modelo de organização social.

O único líder mundial sensível a esse problema parece ser o papa Francisco que convoca para março, em Assis, um encontro com economistas jovens de todo o mundo para pensar como seria uma economia baseada na solidariedade às pessoas e no cuidado com a vida no planeta. As Igrejas cristãs precisam superar a divisão entre fé e vida. Precisam servir ao projeto divino que os evangelhos chamam de “reino de Deus”. Jesus deu sinais do reino ao curar doentes, reconciliar pessoas excluídas com a comunidade e anunciar a libertação de toda pessoa humana. Neste ano, a Conferência dos bispos católicos do Brasil escolheram como tema da Campanha da Fraternidade 2020: Fraternidade e vida: dom e compromisso. O lema é a palavra do evangelho que diz: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Assim, a fé cristã nos convida a todos, crentes e não crentes a refletir sobre o significado mais profundo da vida em suas diversas dimensões: pessoal, comunitária, social e ecológica.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.