A Palavra de Deus proclamada recentemente em missa dominical trouxe o relato da adoração do bezerro de ouro no deserto, no tempo de Moisés, e a Parábola do Filho Pródigo. Esta Palavra é luz e alento para nós hoje, bem como para as pessoas LGBT+ e os que lhes são solidários.

A partida do filho pródigo da casa de seu pai evoca muitas pessoas LGBT+ que deixaram suas casas, por não poderem ser quem são, por causa da homofobia e da transfobia. Infelizmente há pais que dizem preferir um filho morto a um filho gay, e uma filha prostituta a uma filha lésbica. Ser expulso da casa de seus pais, ou mesmo permanecer nesta casa em um ambiente preconceituoso, no armário, faz com que muitos vivam uma vida degradante, marcada pela tristeza e pela depressão, que pode levar até ao suicídio. Este é também o sofrimento do filho pródigo nos dias de hoje.

Não é o desejo do pai este tipo de vida para seu filho. Não é também desejo de Deus Pai (e Mãe) uma vida assim para seus filhos LGBT+. Como diz Judith Butler, é preciso criar um mundo onde as pessoas possam viver e respirar em seu gênero e sexualidade, onde o medo da marginalização, da patologização e violência seja radicalmente afastado. O pai da Parábola se alegra e festeja seu filho que estava morto e tornou a viver, que estava perdido e foi encontrado. Também se pode celebrar a vida transformada de tantos LGBT+ nos grupos de acolhimento e inclusão que formam a Rede Global de Católicos Arco-íris. São pessoas que encontraram a face amorosa de Deus, curaram feridas, elevaram sua autoestima e hoje provam o jugo leve e o fardo suave oferecidos por Jesus.

O abraço do pai no filho pródigo é também o abraço do papa Francisco nas pessoas LGBT+ com quem ele se encontrou. Há poucos meses, ele recebeu seis mulheres transgênero. Uma delas o presenteou com um livro em que conta sua vida. Ele a elogiou por escrever sua própria história, recomendou-lhe ser sempre ela mesma e não se deixar envolver pelo preconceito contra a Igreja.

O papa tem seguido o ensinamento do Concílio Vaticano II sobre o progresso da tradição e a evolução da doutrina. E afirma que “uma visão da doutrina da Igreja como um bloco monolítico a ser defendido sem matizes, é errada”. Com relação aos LGBT+, ele se manifestou a favor do reconhecimento legal das uniões do mesmo sexo. E apresenta uma revisão dos textos bíblicos frequentemente utilizados para condenar a prática da homossexualidade, incluindo os textos citados no Catecismo da Igreja Católica.

Na contramão deste processo, estão segmentos da Igreja hostis à mudança. Os bispos poloneses, por exemplo, afirmaram ser inadmissível qualquer interpretação que negue a maldade moral do comportamento homossexual. O ensinamento da Igreja nesta matéria é universal e imutável. Para ajudar pessoas LGBT+ que sofrem, eles propõem criar centros de aconselhamento ou clínicas para a cura de homossexuais e transgênero.

Na verdade, recusar a evolução da doutrina é uma forma de idolatria. Originalmente, idolatria é o culto de falsos deuses, como o do bezerro de ouro. Em algumas modalidades, tal culto chegava ao ponto de exigir sacrifícios humanos, queimando pessoas nos altares. Por isto é tão duramente combatida pelos profetas bíblicos. O Novo Testamento amplia este conceito, considerando também a cobiça e a avareza como idolatria (Cl 3,5; Ef 5,5), pois colocam no lugar de Deus o que não se deve. O filósofo Francis Bacon (1561-1626) denunciou os ídolos que ocupam a mente humana. Eles obstruem o intelecto, dificultam o acesso à verdade e são obstáculo à instauração das ciências. Resta aos homens precaverem-se contra eles e se cuidarem o mais que puderem. Hoje, é preciso denunciar o ídolo da doutrina imutável. Ele está presente no fundamentalismo e no tradicionalismo, na recusa intransigente de novas interpretações e do progresso doutrinário, fazendo com que se considere como verdade divina, revelada por Deus, algo que não é. Este ídolo seduz pela aparente segurança, mas transforma o anúncio do Evangelho (Boa Nova) em um bloco monolítico de enunciados inalteráveis. A Palavra viva, criadora e restauradora morre, e se torna como um fóssil de um museu de história natural. Este ídolo está presente na homofobia e na transfobia religiosa, que devasta a população LGBT+. Este ídolo tem vítimas sangrando até a morte em seus altares.

O nosso Deus é o Deus vivo, cuja Revelação plena se dá em Jesus Cristo. Ele é Pai (e Mãe). Ele é amor, e nada que não seja amor pode existir em Deus. Que nós possamos, pela ação do Espírito Santo, experimentar o seu amor e a sua força em nossas vidas, e colaborarmos para a expansão do Seu Reino. Amém.

 

Luís Corrêa Lima, sacerdote jesuíta, professor da PUC-Rio e autor do livro Teologia e os LGBT+: perspectivas históricas e desafios contemporâneos