Rosh Hashana é a experiência coletiva da passagem do tempo e Yom Kipur é o dia que procuramos entender o que esta passagem significa para cada um.

Rosh Hashana é sobre o destino, pois o tempo não para, enquanto Yom Kipur é sobre a liberdade, a possibilidade de exercermos a nossa capacidade de julgar, e de não julgar.

A passagem do tempo, apesar do que ele nos traz de perdas e sofrimento, nos abre a possibilidade de aprender coisas novas e expandir nossos sentimentos, essencial para suportar nossas limitações e criar um mundo melhor para nós mesmos e para os outros.

Somos privilegiados por vivermos uma situação sem penúria materiais que nos possibilita múltiplas formas de enriquecer nossa percepção do universo: viajando, lendo, amando, comendo coisas gostosas, conhecendo pessoas, ouvindo musica ou olhando uma obra de arte. Mas todas elas são extremamente limitadas se permanecemos fechados dentro de marcos estreitos de julgamento de nós mesmos e dos outros.

Pois quem julga de forma estreita mal enxerga a si mesmo, pensa que possui a verdade e exclui a possibilidade de outras formas de percepção da realidade.

Na tradição talmúdica o Yom Kipur é o dia em que Deus julga as pessoas, mas para os humanos que não temos contato com os desígnios divinos, como diz o significado da palavra Kipur, é um dia de reparação e reconciliação.

Reparação e reconciliação somente são possíveis se deixamos de julgar. Yom Kipur é, portanto, o dia em que suspendemos nosso julgamento.

Pois nada é mais opressivo do que depender do julgamento do outro.
E nada nos produz mais sofrimento que o julgamento sobre nós mesmos.
Julgar é sempre uma forma de querer que o outro seja igual a nos, e que nos atinjamos um ideal irrealizável.

Julgar sem antes compreender é a forma mais grave de ignorância, pois, ao ignorar o outro, ficamos fechados no nosso pequeno mundo.

Julgar sem antes refletir é medo de que outro nos mostre aspectos que nos deixam inseguros em relação a nos mesmos.

Yom Kipur é o dia que lembramos que muitas vezes julgamos não em função de valores de justiça, mas porque nos desagrada que o outro seja diferente a nos.

 É o dia em que jejuar significa desintoxicar-se de nossos julgamentos apressados.
 É o dia em que não precisamos perdoar, pois deixamos de julgar.
 É o dia em que não há expiação, pois não há culpa.
 É o dia em que não nos deixamos oprimir pela obsessão de dividir entre o certo e o errado e procuramos compreender.
 É o dia em que deixamos de culpar e nos culpar para termos mais compaixão conosco e com os que são diferentes a nós.
 É o dia em que não nos fechamos em sistemas rígidos que são sempre narcisistas e reconhecemos que vivemos numa zona cinza, porque nossos sentimentos são complexos e o ser humano é finito.
 É o dia em que aceitamos que não somos onipotentes e devemos fazer escolhas frágeis entre valores, interesses e afetos conflitantes.
 É o dia em que não há atos certos ou errados, mas só afirmação de melhorar nossa vida e a dos outros.
 É o dia em que podemos perdoar e nos perdoar porque paramos de julgar.

Porque a passagem do tempo nos permite amar e aprender, e ambos são o maior dom da vida, agradecemos:

Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze
Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.

 

Bernardo Sorj
Sociólogo brasileiro, professor titular aposentado de Sociologia na UFRJ, diretor do Centro Edelstein e Plataforma Democrática.