Muita gente se pergunta como será o caminho da sociedade depois da pandemia. A elite que se beneficia do modo como a sociedade está organizada imagina voltar quanto antes ao mundo de antes e aos seus lucros maravilhosos. A quebra geral de empresas em todos os setores não indica que isso será tão fácil. Os que se beneficiam do capital produtivo sabem que o prejuízo maior da crise cai principalmente nas mãos dos assalariados e dos trabalhadores de base. Como sempre, os patrões sairão mais ricos.

No entanto, esta mágica, que sempre funcionou assim, começa a dar sinais de cansaço. Outro tipo de capital, que é o financeiro, continua garantindo aos bancos e aos que operam em bolsas de valores os lucros possíveis. Entretanto, dificilmente serão os 400% de lucro aos quais estavam habituados antes da pandemia.

Quanto ao que hoje se chama de capital de rapina, isso é, os que ganham da grilagem de terras no Mato Grosso e na Amazônia, os que exploram trabalho escravo e invadem terras indígenas e quilombolas, estes continuam a apoiar o atual governo federal porque este lhes garante liberdade e espaço de ação. “Pena que índios, negros e quilombolas sejam ruins até pra morrer”, pensa em voz alta o ocupante do palácio.

Enquanto o mundo inteiro se escandaliza com o fato de que o Brasil convive com o recorde de mais de 114 mil pessoas mortas e mais de três milhões de pessoas contaminadas pela Covid-19, o governo de Minas Gerais joga 300 policiais militares contra 450 famílias do Acampamento Quilombo em Campo Grande, que produziam alimentos saudáveis em uma produção de agroecologia comunitária.

Em Águas Belas, em Pernambuco, os índios Fulniô veem sua escola destruída e os Pankararu, no médio São Francisco recebem ameaças de morte. Chegando ao céu, o nosso profeta Pedro Casaldáliga joga o manto do seu espírito para dar força na luta a índios, lavradores sem terra e todas as pessoas famintas e sedentas de justiça.

Na Europa, cada vez mais aumenta o número de pessoas que percebem que é preciso disciplinar e mesmo frear o crescimento econômico e deter o progresso tecnológico. Na França, desde 2006, existe um PPLD (Partido em Prol do Decrescimento), fundado pelo deputado Vincent Cheynet que advoga a salvação do planeta e da humanidade pelo caminho do “voltar atrás”: renunciar a muitos confortos desta sociedade de consumo e, assim preservar melhor o planeta e o essencial da vida. Esta proposta se espalha por minorias na Itália e em outras nações do Ocidente.

Para todos os continentes e para cada ser humano, vale a proposta do cientista social Serge Latouche dos oito R: Reavaliar, Reconceituar, Reestruturar, Redistribuir, Redimensionar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

Não se trata de voltar ao passado, nem de condenar qualquer forma de progresso, mas de compreender que o atual modelo de desenvolvimento, baseado no petróleo, na exploração da natureza e na competição entre as pessoas está falido e nos conduzirá à catástrofe.

O inimigo maior de nossa civilização não é o coronavírus, por mais cruel que esse seja. É sim a destruição ecológica e a ambição de uma elite do mundo que não hesita em matar para ter mais dinheiro e poder. Esta elite nega os direitos à vida e à dignidade de seus próprios irmãos e irmãs e destrói a terra e a natureza. Precisaríamos de três planetas Terra para suportar a exploração que o modelo civilizatório capitalista comete contra a vida.

A Organização das Nações Unidas está fazendo uma consulta a populações do mundo inteiro para saber a opinião das pessoas quanto às perspectivas e principais necessidades da humanidade pós-pandemia. Todos nós podemos responder. A pesquisa tem a seguinte introdução:

“A pandemia de Covid-19 é um aviso claro da necessidade de cooperação entre países, entre setores e entre gerações”. A este respeito, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou:

Tudo o que fizermos durante e depois desta crise deve ter uma forte tônica na construção de economias e sociedades mais igualitárias, inclusivas e sustentáveis, mais resilientes às pandemias, às alterações climáticas e aos muitos outros desafios com que nos confrontamos à escala mundial.

Eis o link para quem quiser responder a estas perguntas.

As tradições vindas das culturas indígenas têm proposto para toda a humanidade o paradigma do bem-viver, da revalorização dos bens comuns como bens públicos aos quais toda a humanidade tem direito de acesso gratuito: terra, água, saúde e educação. Movimentos sociais se mobilizam para pedir à Assembleia Geral da ONU que proclame as vacinas contra os vírus como bens comuns que devem ser de acesso gratuito e público para todos os seres humanos.

De um modo ou de outro, o bem-viver e o bem-conviver corresponde ao Shallom bíblico, paz e salvação, assim como o axé das religiões afrodescendentes. É a alegria da pessoa se sentir em sintonia com as outras e em comunhão com todo o universo. Amar e se saber amado(a) é o dom divino presenteado a todo ser humano e que pode ser fonte íntima desta alegria, deste bem-viver, caminho para a humanidade depois desta pandemia.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.