O amor tudo suporta. Essa frase é uma das que são bastante conhecidas no cenário cristão. Faz parte do famoso poema sobre o amor, em 1 Coríntios 13. Situado no sétimo versículo, está entre as características do amor iniciadas no versículo quarto do mesmo capítulo.
Por ser muito conhecido, também é utilizado de maneira muito errada por diversas pessoas que se dizem cristãs, principalmente líderes religiosos. Um dos usos muito comuns desse versículo é dizer que se o amor tudo suporta, então a esposa que apanha do seu marido deveria suportar tal violência sem falar nada, provando, assim, seu amor para com aquele que, com ela, passou a ser uma só carne. A dissolução do casamento, nesse sentido, é vista como algo abominável se vindo da mulher e, não raramente, vista também como ausência de fé em Deus. Claramente, tal leitura é totalmente errônea.
Algo que se mostra interessante de se perceber no versículo é o termo grego utilizado por Paulo: hypomenei. Essa palavra, por sua vez, vai muito além do uso comum que se dá ao verbo suportar. Seria mais bem traduzida como resiliência, essa capacidade que algo possui de voltar à sua forma original depois de ter sido deformado elasticamente, se quisermos usar a definição do campo da física.
A resiliência, por sua vez, não tem a ver com a passividade de simplesmente aceitar as coisas como elas nos apresentam. Muito contrariamente, resiliência, e consequentemente resistência, caminham juntas nesse processo de amar.
Paulo, ao trazer tal característica do amor, quer mostrar que, na perspectiva cristã, quem ama deve ser capaz de resistir as intempéries e as tribulações da vida, sem deixar de se fazer presente nesses momentos, o que, claramente, não tem nada a ver com discursos conformistas que geralmente usam tal versículo como suporte.
Se algo resiliente tem como característica a capacidade de retornar à forma original depois de alguma deformação elástica, e o amor se mostra dessa maneira, então é possível entendermos que o amor, em perspectiva cristã, deve ser entendido como algo, ao mesmo tempo, firme e maleável, possuindo, em si, a capacidade de adaptação sem deixar de ser aquilo que se é.
Na sociedade em que vivemos, na qual se prevalece a ideia de que tudo é mercadoria a ser consumida, ou que tudo que não me agrada mais deve ser descartado, substituído por algo novo que, com o tempo, também perderá sua graça e, por isso mesmo, novamente descartado, pensar um amor que seja constante, que esteja disposto a se adaptar às diversas intempéries da vida, sem deixar de ser firme e consistente em sua forma de agir se torna quase uma utopia.
Recuperar, portanto, essa característica do amor cristão se torna fundamental para o anúncio da Boa Nova do Evangelho. Afinal, o que se anuncia é justamente esse amor que não desiste, que está sempre disponível, que é força em momentos de fraqueza, que é maleável sem deixar sua firmeza de lado.
Da mesma forma, tal compreensão também serve para os relacionamentos diários. Amar não é suportar todas as coisas passivamente, mas resistir com fé, sem deixar de ser quem se é, em um processo de constante diálogo e tentativas de adaptação, mediante a disposição das partes envolvidas. Em outras palavras, o amor é consistente. Na alegria e nos momentos de grande tribulação, quem ama sempre resistirá: seja a soberba de achar que nada mais precisa ser feito em prol daquele/a a quem amamos, ou o risco de se anular para agradar o outro, fazendo com que se deixe de ser quem se é, ou ainda a tentação de achar que o outro é somente mais uma mercadoria a ser trocada nos momentos em que as situações ficam difíceis.
Fabrício Veliq – Dom Total