Não há dúvidas de que o mundo hoje forma a grande marcha humana sob a noite escura do nosso tempo. Não há motivos para nos julgarmos um povo diferente daquele que o profeta Isaías afirmou andar na escuridão com um jugo de opressão sobre si e com os trajes manchados de sangue. Precisamente, caminhamos na ausência da luz da ciência e da fé verdadeira, oprimidos por nossas desacertadas escolhas coletivas e com uma enorme conta de vítimas conhecidas e desconhecidas estampadas em vermelho sangue em nossas vestes de indiferença e consumo egoísta. Quando a escuridão mais densa parece nos roubar a esperança, um anúncio repercute novamente um acontecimento a reverberar toda luz sobre a existência envolta em luto.
E novamente o profeta Isaías anuncia que uma luz brilhou na face de uma criança recém nascida. Um bebê é o sinal luminoso no fim do túnel da desesperança e do medo. O nascimento dessa criança inverte todo sistema lógico humano considerado possível, pois ela abre diante de todos os olhos um horizonte de justiça no qual se torna possível esperançar por um tempo novo de paz e de congraçamento da humanidade. Esse tempo novo rompe com o egoísmo, o comodismo, o individualismo e a indiferença, sintomas todos do único absentismo do amor nos corações humanos. O nascimento dessa criança é o cataclisma cósmico e humano que causa a radical transformação da noite escura dos acontecimentos de nosso tempo em ardor e esperança por outro mundo solidário e fraterno.
Esse acontecimento traz em seu bojo não só o conteúdo de uma novidade que muda definitivamente a vida do mundo. Ele reivindica a urgência do seu acolhimento. Nessa perspectiva, não se trata de uma imposição, mas da livre adesão e escolha por parte de quem se deixa confrontar por ele. A criança e o que ela significa e realiza clama com um choro sinérgico o abrigo entre aqueles cujas vidas se torna um lar de acolhida e proteção. Precisamente, essas virtudes se consolidam à medida que cada pessoa dá um passo em direção a esse mistério humano e divino de não se deixar corromper pela indiferença e alheamento do sofrimento do mundo e de cada pessoa. Precisamente, cada coração se torna uma tenda quando não se inclina em adoração ao consumo egoísta e narcisista que perverte a visão mais lúcida sobre os acontecimentos do nosso tempo e a fragilidade da vida dos pequenos e das minorias e nos impede de acorrer com nossas boas obras ao encontro da criança e de abraçar a radical transformação a qual ela nos convoca.
O que o profeta anunciou segue ressoando em cada brecha mundana ainda não invadida pelo absentismo do amor: “uma luz resplandeceu” (Is 9,1b). E essa luz brilha incandescente em cada senda, reafirmando que os rumos podem ser refeitos, que escolhas mais acertadas podem e devem ser realizadas para que outro mundo seja possível. Essa luz nunca cessa de luzir sobre as trevas do mundo, mesmo quando parecemos perambular como zumbis durante a densa escuridão da noite que atravessamos em nosso tempo. É certo que nem todas as pessoas caminham de olhos abertos, de modo que se conformam mais facilmente às trevas da ignorância e do negacionismo. Mas a luz, que é a criança rochinha acabando de nascer na noite escura, está sempre faiscando no horizonte de cada pessoa, de cada povo. Nunca se apaga. E é essa a novidade dessa anunciação profética. Não fujamos desse mistério que se revela em graça total diante do mundo e da sua dor oferecendo motivos para seguirmos adiante o caminho de uma estrela.
Tânia da Silva Mayer – Dom Total