A data da criação de Minas do Ouro – 2 de dezembro de 1720 – é marco para o início de uma história que se assenta em trezentos anos, fazendo contracenar personagens, fatos e eventos, lutas e conquistas, raízes religiosas e culturais – riquezas de uma nação. Essas raízes e riquezas definem uma identidade e forjam uma missão. A têmpera de seus desbravadores primeiros – Matias Cardoso, Fernão Dias Paes e Manuel de Borba Gato – fecundaram o solo por onde passaram com gotas de um suor próprio que inspira a gente mineira, povo batalhador. Esse povo é guardião de um Estado que merece ser chamado de “diamante”, particularmente, por suas vastas preciosidades minerais, singularidades de suas montanhas e de seus Gerais – a complexidade encantadora de seus biomas. Estado que é diamante em razão da pluralidade de seu povo, com culturas diferentes, merecendo o reconhecimento de que Minas são muitas.

Muitas Minas, de tanta riqueza em único chão, síntese de diferentes lugares. Estado que exige sabedoria de cada mineiro para bem cuidar da sua terra, pois não se pode menosprezar um legado que hospeda força: o patrimônio cultural e natural de Minas Gerais. Esse patrimônio é herança que produz uma experiência singular a quem passa a residir no Estado, um senso de pertencimento que se desdobra na adoção da cidadania mineira, com sua vitalidade preciosa. Minas congrega pluralidades espelhadas nos muitos sotaques que adornam a mesma língua – verdadeiro idioma com idiossincrasias próprias, marca de um lugar de todos e para todos.

Na raiz da história de Minas Gerais encontram-se sinais de uma participação política que emoldura um povo com a disposição para defender o seu destino e a sua honra. Emblemática e inspiradora é a figura de Filipe dos Santos, capaz de alargar a compreensão de que é preciso respeitar a identidade mineira, enraizada na presença de povos originários – Cataguases, Botocudos e Caiapós – com propriedade para amparar outras culturas que consolidam as muitas Minas de Minas. Por isso, nas veias mineiras circula um sangue que gera vínculos de pertencimento, a serem reavivados para fecundar a cidadania e possibilitar, sempre, um novo tempo – com posturas atualizadas que selam a vocação desse povo para a liberdade. Uma liberdade que tem força para reerguer o “caído”, fecundar o insosso e, sabiamente, reinventar os caminhos, formulando adequadas respostas aos mais diferentes desafios.

O desenvolvimento ancorado nas riquezas de Minas alavanca o surgimento de vilas – Mariana, Ouro Preto e Sabará – onde se planta o ouro da fé cristã católica. Esse ouro é patrimônio do tesouro mineiro – força que molda um jeito de ser com marcas da religiosidade, das culturas, da culinária, dos modos de sentir e de falar. E a Igreja, com a sua presença evangelizadora nessa tricentenária história, a partir da fé professada, compreende: as montanhas de Minas são altar de Cristo. E as Gerais? São os campos dos seus cuidados de pastor. A profundidade dessas raízes da fé brinda a religiosidade mineira com quatro leigos eremitas, ainda nas primeiras décadas da história do Estado: Antônio da Silva Bracarena , o “eremita da Piedade”, no alto da Serra da Piedade, Irmão Lourenço, no Caraça, Félix da Costa, no eremitério e convento de Macaúbas, em Santa Luzia, e Feliciano Mendes, com o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. A pedra preciosa da fé é tesouro inegociável do Estado Diamante, pois é fundamento da mineiridade.

Em todas as etapas da história de Minas Gerais, contracenam plêiades de ilustres personalidades – artistas, estadistas, religiosos, educadores, cidadãos – que convertem suas vidas em lições para o povo seguir adiante. Um Estado belo, de muitos patrimônios que merecem ser adequadamente tratados, nos parâmetros do desenvolvimento integral. A celebração do tricentenário de Minas Gerais é oportunidade para revisitar a história do Estado, onde estão as bases para construir um tempo novo, que precisa chegar logo. Um tempo marcado pelo respeito aos pobres, por exercício nobre da cidadania, capaz de contribuir para edificar uma civilização renovada.

Que a memória dos três séculos de Minas Gerais interpele, particularmente, os representantes do povo – que são servidores – para que ajudem o Estado a articular suas riquezas humanas, culturais, religiosas e ambientais. A história de Minas compromete e exige da mineiridade passos rápidos rumo a um ciclo de mais justiça, equilíbrio ambiental, respeito incondicional à dignidade de toda pessoa humana. As muitas culturas que se articulam fazem de Minas Gerais uma nação admirável. Essas culturas sejam inspiração para construir renovado contexto civilizatório, cada vez mais exemplar e encantador.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).