Lágrimas são sangue que escorre das feridas da alma, canta a poesia. Mais uma vez, Minas está ferida, lágrimas no rosto dos pobres, que perderam o pouco que possuíam, o essencial para viver, amparados para não passarem fome, no cenário de um Brasil faminto. Vidas estão perdidas, há luto cobrindo de sombra famílias e corações. Uma dor lancinante no coração do outro que precisa ser assumida como própria dor, gesto solidário de cidadania, alavanca de reconstrução. O clamor surdo que ecoa aos céus denuncia: Minas ferida escancara, nas riquezas de sua cultura, na especialidade de sua gente generosa e solidária, nas riquezas de sua natureza pródiga, no seu patrimônio religioso e familiar, os descompassos que exigem mudanças radicais e urgentes no modo de se governar, na maneira extrativista e depredadora no tratamento do meio ambiente.
A contabilização de tragédias precisa mexer com os brios de governantes, dos representantes e servidores do povo nas casas legislativas, em cada município, no Estado e na esfera federal. Os construtores e empreendedores da sociedade mineira estão desafiados a crescer na consciência: lógicas gananciosas precisam, urgentemente, serem superadas, para fazer valer a lógica humanística da cidadania. Não se pode continuar a negociar este patrimônio histórico, religioso, cultural e ambiental, Minas Gerais, por tão pouco, sacrificando o bem dos mineiros. As feridas das tragédias que se sucedem, conhecidas por todos – Mariana, Brumadinho, Capitólio, as enchentes deste janeiro, para relembrar algumas, sem deixar de elencar as rodovias da morte, a exclusão social, a infraestrutura comprometida, a carência de moradia digna – gritam aos céus. Indicam a urgência de mudanças nos modos de governar, legislar e agir para se alcançar o necessário desenvolvimento integral.
Mineiramente falando, não basta apenas colocar o “trem nos trilhos”. Conta o que ele carrega, o seu percurso, as estações por onde passa, a quem leva e a quem serve. Não cabe simplesmente constatar que se faz mais que outros, no horizonte da obrigação de se ser honesto. Minas deve abrir um novo ciclo de cidadania. As feridas no Estado e no seu povo apontam: é preciso fazer mais, aprendendo com os solidários, aqueles que cuidam dos famintos, limpam a lama das enchentes, reconstroem moradias, repartem, com afeição, a força espiritual. Um novo ciclo precisa se abrir sob pena de novas tragédias. Urgente, portanto, é construir mentalidade diferente, que inspire atitudes de governos, legisladores, servidores judiciários, empreendedores e construtores da sociedade pluralista, com a participação efetiva de todos os cidadãos. O ponto de partida inegociável é o horizonte das interpelantes riquezas da ecologia integral, por um adequado tratamento do meio ambiente, a casa comum.
As chuvas, bênçãos de Deus, indispensáveis, não podem ser culpabilizadas, simploriamente. A responsabilidade maior e primeira vem do modelo ganancioso e desregrado de exploração das riquezas do solo de Minas Gerais, perpetuando, por séculos, a lógica predatória que compromete aquíferos, produz barragens de altíssimo risco, desrespeitando pareceres de especialistas e legislações. Uma realidade em que poucos se enriquecem, enquanto muitos sofrem com tristezas e desolações. A solidariedade é o único sol para clarear mentes e aquecer corações, no exemplo da gente simples e amiga, de padres, religiosos e religiosas, que carregam as dores de suas comunidades e famílias. O sol da solidariedade ilumine a compreensão de que a casa comum não pode continuar a ser tratada irresponsavelmente, pois as consequências são as tragédias e as pandemias que pesam nos ombros de todos.
Urgente e sinal de responsabilidade é intensificar fiscalizações, definir leis mais rigorosas – que não permitam manipulações e subjetivismos interpretativos para flexibilizar a degradação do meio ambiente. Necessidade imediata, fruto da política melhor, é priorizar a inclusão social daqueles que vivem nas áreas de risco, para que sejam contemplados pelo direito fundamental à moradia digna. Essas mudanças dependem de um audacioso plano estratégico delineado pelas autoridades políticas, nas instâncias dos poderes Executivo e Legislativo, com a participação de todos os segmentos da sociedade. Assim, pode-se, efetivamente, conquistar uma sociedade mineira onde vale a liberdade, ainda que tardia, contracenando com a igualdade e a fraternidade. Ante as tragédias, sem medo, sejam identificados os responsáveis, superados modelos de administração que se reduzem a um conjunto de técnicas operacionais, para que prevaleça um humanismo integral – trata-se do caminho para reverter dolorosa realidade – Minas ferida.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).