Umberto Eco no livro Migración e intolerância, 2019, trata destas temáticas, por ele pensadas em mais de 20 anos. E, no primeiro capítulo desta aludida obra falava este escritor das migrações no terceiro milênio, quando se aproximava o tão esperado ano de 2000, ou seja, o início de um novo milênio, não olvidando de dizer, Umberto Eco, que aquele ano foi mágico para o mundo cristão, eis que marcava dos mil anos do nascimento de Cristo, pouco importando divergências cronológicas, ideológicas e religiosas, a respeito desta marcante data natalícia.
E naqueles anos, de 2019 para trás, Umberto Eco escrevia que, de 2000 para frente era de se notar a influência do modelo europeu sobre os demais modelos e a maioria celebraria, como celebrou, aquele ano de 2000 como uma convenção comercial, pouco ou quase nada lembrando das convicções íntimas. Portanto, dois mil foi antes de tudo uma data eurocêntrica, a dominar também a civilização americana, não obstante acabaria a Europa a ter grande “mestiçagens de culturas”, a partir de 2000 em diante, como está acontecendo no momento presente. Portanto, a profecia de Eco está se realizando, perfeitamente.
Assim, a Europa acabará como uma Nova Iorque, com a coexistências de diferentes culturas, ou como alguns países da América Latina, com diversos povos e, por consequência, com a queda da maioria denominada branca. Raça pura, de triste memória, não mais existirá, para tristeza de muitos loucos, seguidores até hoje do sanguinário Hitler.
O Brasil também é bem lembrado por Umberto Eco, considerando que os colonos, portugueses e até os espanhóis, mesclaram com os índios, com os africanos e, desta miscigenação, nasceu os crioulos. E tal fenômeno acontecerá neste século, dizia Eco (está acontecendo, podemos afirmar) também na Europa, sem que nenhum racista ou reacionário tenha poder de impedir tal acontecimento.
Assim e para Umberto Eco necessário é que façamos, por conseguinte, a necessária distinção, olvidada por muitos, entre os conceitos de imigração e o de migração. A imigração acontece quando algumas pessoas se transferem de um país a outro, calculadamente. É um fenômeno que pode controlar-se politicamente, limitar-se, impulsionar-se, programar-se e aceitá-lo. Portanto, há convergência de vontade. São pacíficas, sempre.
Entretanto, o mesmo não ocorre com as migrações que acontecem violentas ou pacificamente e, por conseguinte, podem ser comparadas, acrescenta Umberto (autor do livro, dentre outros, de O nome da Rosa), como os fenômenos naturais: acontecem e não é possível controlá-las.
Ocorre, portanto, a migração quando todo um povo, pouco a pouco, se desloca de um território a outro e, para tal consideração, não tem importância quantos permanecem no território de origem, mas sim em que medida os migrantes trocam de maneira radical a cultura do território ao qual migraram.
Ressalta ainda Umberto Eco que aconteceram grandes migrações que culminaram na mudança de cultura, a exemplo das migrações dos povos denominados “bárbaros”, que invadiram o império romano e criam novos estados e novas culturas, rotuladas de romano-bárbaras ou romano-germânicas.
Outro exemplo de migração é a europeia no continente americano que, se em parte foi programada politicamente, na verdade há que se considerar migração e não imigração porque os brancos procedentes da Europa não adotaram os costumes e a cultura dos povos indígenas, mas sim acabaram por fundar uma nova civilização, a ferro e fogo, na qual os indígenas (os sobreviventes) tiveram que se adaptar.
Assim e para Umberto Eco podemos dizer que estamos ante um fenômeno de “imigração” quando os imigrados, admitidos segundo decisões políticas, aceitam em grande parte os costumes do país ao qual emigraram. E falamos em “migração” quando os migrantes (que não puderam ser retidos nas fronteiras) transformam de maneira radical a cultura do território a qual migraram.
E, ultrapassado o século XIX, característico como o século das imigrações, no século XX passamos por um fenômeno incerto, que repercute também no século XXI, ou seja, não é fácil dizer se estamos diante de uma imigração ou de uma migração, razão de tal distinção sequer ser aludida por muitos.
Entretanto, a maneira mais correta de distinguir estes dois fenômenos é entender que as imigrações são controladas politicamente e as migrações não o são, eis que, como dito acima, pelo próprio Umberto Eco, são como os fenômenos naturais. Portanto, esse deslocamento em massa, que acontece neste século XXI, é considerado como migrações.
Outra distinção é que na imigração geralmente os imigrados são mantidos em guetos, para que não se misturem, se mesclem. Ocorrendo a migração não há que se falar em guetos e a mestiçagem é incontrolável. Portanto, há interesses dos governantes em transformar migrações, que se encontram na porta de seus países, em imigrações, para poder isolar estas pessoas e a tê-las sobre
permanente controle. Gestos nada humanitários, mas sim atitudes estratégicas, em prejuízo dos então migrantes, que se transforam, da noite para o dia, em imigrantes e, por conseguinte, passam, a partir de então, a ser vigiados e a qualquer momento podem também ser expulsos para qualquer outro lugar.
Assim, o fenômeno que a Europa pretende que seja imigração é na verdade casos de migração. Nota-se que o terceiro mundo (rótulo pejorativo, discriminatório e adjeto) está às portas da Europa, que não concorda e dificulta a entrada destas pessoas, em diversos países daquele continente.
Entretanto e considerando que a migração não é um fenômeno controlado politicamente, certo é que diversos povos já vivem naquele “primeiro mundo”, clandestinamente ou não e, por conseguinte, a Europa é cada vez mais um continente multirracial, acrescentando Humberto Eco, com a sabedoria de sempre: “Si les gusta, así será? y si no les gusta, así será igualmente).”.
Portanto, estamos diante de um novo choque de culturas e, por consequência, os racistas deveriam estar em vias de extinção, o que infelizmente não vem ocorrendo. O racismo, o ódio, o sangue (raça pura), ainda se fazem presentes em muitos discursos, mundo afora. Nada obstante, a Europa, para o desgosto de muitos europeus, que se se intitulam superiores, será, a exemplo da civilização romana, uma civilização de mestiços, fundindo o “primeiro, segundo e terceiro mundo” em um só mundo, no qual a raça, a nacionalidade ou a cidadania não poderá ser mais um motivo de discriminação.
Newton Teixeira Carvalho – Dom Total