Atualmente, no Brasil, nos ambientes e círculos de pessoas mais conscientes e críticas, em quaisquer conversas e reflexões sobre o que estamos vivendo, a proposta que sempre volta como urgência é a necessidade de retomarmos os trabalhos de base. Muitos recordam com gratidão e saudade as intuições proféticas e o método inovador de alfabetização de adultos e de conscientização social, realizado pelo grande Paulo Freire, cujo centenário de nascimento, em 2020, acabamos de celebrar.

Mesmo quem nasceu depois fala com nostalgia e saudade das experiências de educação popular no Brasil dos anos 60 e da década de 1970. Na sociedade civil, se multiplicavam organizações de bairro. Nos movimentos sindicais e partidos, alguns grupos aprofundavam o diálogo com as bases. Em ambientes cristãos, surgiam comunidades eclesiais de base e círculos bíblicos. Começavam as pastorais sociais e a inserção de religiosos(as) e leigos(as) nos movimentos sociais.

Se olharmos a realidade atual, de algumas décadas para cá, o mundo mudou muito. A população se tornou mais urbana. As atuais condições de vida nas periferias tornam a vida mais difícil. A luta pela sobrevivência é mais exigente, absorve as pessoas. Existem belas experiências de inserção, mas parecem mais raras do que em outros tempos e têm de tomar outros formatos. Além disso, nas últimas décadas, Igrejas e sociedades sofreram um processo de autofechamento que torna mais difícil os trabalhos de educação de base.

No campo da política, em anos mais recentes, além das diversas formas de desestabilização de governos não alinhados à sua política neoliberal, o império norte-americano aprimorou novas táticas de guerra midiática. Coopta governantes. Usa o judiciário, o parlamento e os meios de comunicação para os seus interesses. No Brasil, conseguiu inocular na sociedade um retrocesso social e político que, há alguns anos, ninguém imaginaria possível. Por isso, se vê cada vez mais urgente retomar o processo de educação popular e o processo de organização das bases, assim como aprofundar a união das forcas progressistas em torno de um projeto comum.

É preciso termos clareza de que, embora o espírito e objetivo dessa construção sejam o mesmo de outras épocas, os instrumentos e as formas que estes trabalhos precisam tomar hoje mudaram substancialmente.

O princípio fundamental de todo trabalho de base é a convicção de que “o povo é e deve ser o sujeito e o protagonista de sua própria história”. Quando começou o processo dos fóruns sociais, era costume se propor: “pensar globalmente, agir localmente”. Com o tempo, cada vez ficou mais claro que não podemos separar as duas dimensões. Com as comunicações atuais, uma dimensão interfere profundamente na outra. A intensificação da mineração na Amazônia depende da bolsa de valores de Pequim e cada luta local tem de levar em conta o processo internacional.

Um elemento desafiador mas que continua essencial é que o trabalho de base exige inserção. Não pode ser feito apenas através de assessorias eventuais, como se fosse “de fora”. A inserção deve ser organizada, planejada e sistematizada. Visa conhecer a realidade a partir de dentro e com a comunidade a organizar os passos da caminhada, fazer dos desafios do dia os conteúdos da educação e planejar juntos as ações a serem realizadas.

Várias tradições espirituais propõem a iluminação interior como caminho de intimidade com o Divino. Essa iluminação é o despertar para o amor solidário ou, como diz o Budismo, a compaixão. Por isso, a educação tem sempre de partir da realidade pessoal, unir a pessoa à comunidade e também cuidar do aprimoramento da consciência de cidadania. Em geral, como o caminho se faz caminhando, é a própria experiência da ação que ajuda a pessoa e o grupo a se autodescobrir e a ampliar sua percepção. A este segundo momento da reflexão se segue o terceiro da ação ali decorrente. Este processo – ação, reflexão, ação – se aprimora ao descortinar um horizonte político, pedagógico, organizativo, que seria o concretizar do que diz o Fórum Social Mundial: “Um novo mundo é necessário. Juntos podemos torná-lo possível”.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.