Há poucos dias, na reunião de oração de uma conhecida Igreja neopentecostal, aconteceu um fato surpreendente. O pastor invocou o Espírito Santo e a comunidade entrou em êxtase. Os irmãos e irmãs começaram a receber os diversos dons pelos quais o Espírito se manifesta. Uns falavam línguas. Outros cantavam e alguns impunham as mãos sobre doentes para curá-los. E no fundo da Igreja, dona Salomé recebia a comunicação de uma profecia. O Espírito a fazia falar:

— Eis o que diz o Senhor Jesus:

“Estou muito triste e envergonhado com vocês. Se vocês não querem aceitar o meu evangelho do amor e da salvação universal ao menos não usem o meu nome para propagar ódio e violência. Como se sentem no direito de usar o meu nome para discriminar pessoas e atacar a religião dos que praticam cultos afrodescendentes? Nunca autorizei ninguém a usarem meu nome para fazer maldades. Quando eu estava atuando na Galileia e tinha de passar pela Samaria, os samaritanos de uma cidade negaram que eu pudesse passar por ali. Tiago e João, dois dos discípulos, quiseram invocar o Espírito para acabar com aquelas pessoas. Imediatamente, os repreendi e disse claramente o que, com tristeza, digo agora a vocês: ‘Não sabeis de que espírito sois’ (Lc 9, 55). Em outra ocasião, um homem estava expulsando demônios e não era do nosso grupo. Meus discípulos quiseram proibi-lo de fazer isso. De novo, os repreendi dizendo: ‘Não o proibais porque quem não é contra nós, está do nosso lado’ (Lc 9, 50).

Não é justo confundir cultos afro com a idolatria que os profetas da Bíblia condenaram. Na Bíblia, Deus tem muitos nomes. A tradição bíblica aceitou que Deus fosse chamado de Elohim, de El Shaddai, El Shabbaot e outros, que eram como atualmente são os nomes de Orixás. Eram nomes de Deus ligados ao amor, à vida e à paz. No entanto, havia também nomes ligados à morte e à violência. Moloc era um deus que exigia sacrifícios humanos. Os pais deviam sacrificar os filhos na fornalha em honra de Moloc. Baal era o deus do comércio que privilegiava ricos e discriminava os pobres. Então, os profetas ensinaram que esses nomes de Deus são idolátricos. Eu mesmo no evangelho insisti que ‘ninguém pode servir a Deus e, ao mesmo tempo, ao dinheiro’ (Mt 6, 24).

Agora, muitos cristãos aceitam tranquilamente pastores que, em nome de Deus, enriquecem, defendem injustiças sociais, promovem violências e destroem a Amazônia. E vocês aceitam isso e, ao mesmo tempo, consideram os cultos afro como sendo do diabo. Não veem que o ídolo é o Deus cruel e mesquinho que vocês pregam e que ensina a discriminar pessoas e dividir a humanidade em crentes e não crentes. Quem conhece o meu Evangelho sabe que o nosso Deus é Pai misericordioso que faz nascer o sol sobre maus e bons e faz descer a chuva sobre justos e injustos (Mt 5, 45).

Antigamente, os poderosos de cada região impunham a sua religião a todos os habitantes do território que dominavam. Hoje, graças a Deus, o mundo inteiro é uma grande sinfonia de diferentes culturas e religiões. Isso é inspirado pelo Espírito do meu Pai.

A lei brasileira defende a liberdade religiosa e de culto e isso é correto. Mas, é preciso mais do que isso: é preciso que as pessoas se convençam de que não existe fé na intolerância e no desamor. Ou a religião torna vocês pessoas mais humanas e amorosas, ou essa religião é falsa e vazia. A fé deve ser um processo permanente de abertura interior para descobrir no outro ser humano e na natureza a presença divina.

Atualmente, a diversidade religiosa no mundo é, não somente um fato atual que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. Ela se constitui como graça divina e uma bênção para as tradições religiosas que, assim, podem se complementar e mutuamente se enriquecer. Para que esse diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o elemento de verdade que existe no outro.

Como pessoas cristãs, vocês devem ser testemunhas do amor universal do meu Pai que eu quis testemunhar ‘a todo ser humano que vive nesse mundo’. No evangelho, na hora de me despedir dos discípulos, afirmei: ‘Na casa do meu Pai, há muitas moradas’ (Jo 14, 1). Com isso, não quis dizer que, no céu, há muitas casas preparadas para vocês, quando morrerem. O sentido profundo da minha palavra é que vocês precisam ver ‘a casa do Pai’ nesse mundo mesmo. E as muitas moradas de Deus são as diversas formas de caminhar para o seu reino. O meu Espírito peregrina com todos e todas das mais diversas religiões e tradições espirituais. As religiões são tendas armadas no caminho para ajudar as pessoas a avançarem na direção do Amor. Só isso”.

A pobre irmã que teve de proclamar essa profecia que tinha acabado de receber viu as pessoas virarem para o outro lado e ficou com medo de que a expulsassem da Igreja.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.