Os votos de um ano novo abençoado precisam estar vinculados ao compromisso de ser mensageiro da paz. E para bem assumir essa tarefa, é preciso cuidar da própria interioridade, pois o coração humano é construtor da paz, com reflexos nas dinâmicas familiares, institucionais e sociais. Por isso mesmo, na abertura de um ciclo novo, no início do ano civil, deve-se cuidar do tecido interior, muitas vezes contaminado pela indiferença, ódio e insensibilidade, que destroem o sonho da paz. Esse sonho não se realiza pela influência das cores das roupas, nem por barulhos, fogos de artifícios, excessos de comida e bebida. É a interioridade de cada pessoa que tem força para impulsionar o nascimento de um tempo esperado por muitos.

Convém, pois, emoldurar a festa da chegada do novo ano com o silêncio da oração, eivado por especial gratidão pelo dom da vida, dedicando particular reverência aos que já partiram. O novo ano necessita, particularmente, do compromisso, de todos, com a (re)construção da sociedade, desfigurada por vergonhosas desigualdades sociais, pela fome que sacrifica tantas pessoas. Compreende-se, pois, que o grande projeto da construção da paz é muito mais do que simplesmente buscar por quietude, ou quietudes – não raramente sustentadas pelas comodidades e garantias alcançadas de modo egoísta. Ao invés disso, urge a consciência individual e comunitária dos que buscam ser mensageiros da paz.

Tornar-se mensageiro da paz deve ser projeto de vida pessoal, sustentando articulações sociais e políticas para que a sociedade alcance rumos novos, a partir de escolhas acertadas em 2022. Para recuperar o que foi perdido, recompor aquilo que foi destruído, com consequências agravadas pela pandemia, por inabilidades governamentais e pelo inadequado exercício da cidadania é preciso inteligência, com o aprendizado de lições muitas vezes decorrentes do sofrimento. Pode-se, deste modo, reconhecer, na exemplaridade dos gestos solidários, uma alavanca para o desenvolvimento integral. Um propósito que demanda investimento na interioridade humana. Nesse sentido, a fé cristã indica práticas muito pertinentes, ensinando: o coração não pode ser hospedagem de sentimentos que abrem portas para fracassos e até mesmo para ilusórios progressos – aqueles que são incontestavelmente frutos de prejuízos e perversidades.

Os mensageiros da paz estão desafiados a rever propósitos e a reconfigurar lógicas para promover a justiça e a igualdade social, essenciais à paz. Uma tarefa que demanda a coragem profética de redimensionar privilégios para corrigir os descompassos de uma sociedade altamente excludente e garantir o respeito à vida de todos. Um quadro de propósitos, pequenos e grandes, precisa ser configurado como compromisso cidadão e cristão, na singularidade da vida de cada pessoa, especialmente ouvindo os clamores dos pobres. Um exercício oportuno para a passagem de ano, que pode efetivar correções, escolhas mais adequadas e o amadurecimento pessoal, com desdobramentos para a vida social.

Na lista de propósitos para o novo ano, inclua-se, de modo inegociável, o compromisso de trabalhar pelo diálogo, convocação do Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2022. O Papa Francisco cita o profeta Isaías, quando exalta os formosos pés do mensageiro que anuncia a paz, manifestando consolação e alívio para um povo extenuado pelas violências e abusos, exposto à infâmia e à morte. É indispensável e inadiável investir em diálogos construtivos, mesmo entremeados pela desolação dos confrontos entre nações. Promover diálogos entre segmentos sociais e políticos, superando manipulações interesseiras que prejudicam principalmente os pobres e o bem comum para satisfazer interesses egoístas de um modelo econômico na contramão da partilha solidária.

Urge-se a habilidade para edificar mais frentes de diálogo, que não pode ser confundido com “conversa fiada” ou repetições demagógicas, comprovação da esterilidade de discursos. A indicação do Papa Francisco é preciosa ao lembrar que, em cada época, a paz é conjuntamente dádiva do Alto e fruto de uma dedicação partilhada por todos aqueles que constroem a sociedade: instituições e particularmente cidadãos, que podem edificar um mundo mais pacífico a partir do seu próprio coração e de suas famílias, com incidências no campo social, ambiental, nas relações entre povos e estados. Nesta passagem de ano, seja, pois, especialmente acolhida esta convocação: a partir da sincera escuta dos clamores dos pobres, todos procurem se tornar mensageiros da paz.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).