Todo dia quando abro os olhos toda manhã a primeira coisa que agradeço é por estar vivo ao redor de tanta coisa e tanta gente morta. Figurativa ou literalmente falando. E agradeço as chances que tive e até as que perdi.
Todo o dia agradeço os amores que consolidados e os que perdi, o filho que fiz e a filha que criei e na minha contribuição pra autoajuda mequetrefe eu diria que demora pra gente perceber que é preciso pouco pra ser feliz porque vivemos numa sociedade em que todo dia se cultua o muito. E muito de muito é pouco. Quase nada.
Então por quase nada a gente perde amigos e oportunidades por ter dito aquilo que devia ter sido calado. Somos uma imensa legião de criaturas querendo fugir dos mal-entendidos, sempre engolfados em julgamentos e julgando.
Por tudo isso agradeço todos os dias por abrir os olhos me percebendo vivo mesmo que a primeira coisa que eu veja seja uma lagartixa agonizando ou um galho que apodrece na árvore vizinha. Um galho que cumpriu o seu caminho. E o galho passou e eu passarinho.
Todos os dias agradeço por existir vinho, arte e poesia mesmo que eu não esteja a altura ou não tenha dinheiro para desfrutar disso. Mas agradeço a paisagem, o vento úmido de chuva em meio ao caos, a sensação de saudade e de nostalgia, a visão de velhos viadutos que contam a história da minha cidade.
Todos os dias agradeço por ter sobrevivido a um grave acidente de carro aos 21 anos, uma quase queda de cavalo aos 16, um infarto aos 57 . E acendo simbolicamente velas perfumadas para celebrar e iluminar o caminho da vida mesmo que você, amável leitor, ache essas imagens de uma pieguice fraudulenta.
Sinceramente por mais que eu respeite os que me leiam a essa altura estou cada vez menos me importando com juízos de valores diante da escrita que cometo. Escrevo porque preciso já diria Leminski o poeta paranaense. E diante desse riscado aumento meu grau de tolerância com os escritos de autoajuda porque mesmo que sejam piegas e tolos partem de um pressuposto positivo. Olhar a vida com outros olhos. Mais doces, mais generosos, bem abertos como os que tento manter todos os dias quando levanto mesmo sabendo que não me faltariam motivos para permanecer deitado. Cada vez mais o desafio para todos é ter disposição de se manter firme e ereto ao cair da cama. Sim, cair, porque é um movimento de queda quando devemos converte-lo todos os dias em movimento de ascensão e glória. Por tudo isso me rendo a autoajuda.
Ricardo Soares – Dom Total