É uma tarefa muito difícil delinear a figura singular de Marco Lucchesi, eleito no dia 03 de março de 2011 para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira anteriormente ocupada pelo padre jesuíta Fernando Bastos de Ávila. Marco é um jovem poeta, ensaísta e tradutor, dos mais brilhantes que estão entre nós. O que, porém, mais impressiona em sua vida é o toque da humildade, da abertura, da hospitalidade e da delicadeza. Conviver com Marco é partilhar desses dons preciosos que adornam sua vida e caminhada. Marco é sobretudo um viajante, com os olhos e o coração abertos para o infinito. A leitura de suas inúmeras notas de viagem revelam um buscador insaciável:

“O corpo do deserto me fere de modo irreversível. Sou habitado por uma paisagem de pedra e de areia, pela qual sigo enamorado, e beijo seus lábios de vento e desabrigo”

Num de seus mais belos textos, registrados no livro Saudades do paraíso (1997), descreve sua busca de Deus, o Deus que ampara e atormenta:

“Conhecer Deus e provar-lhe a existência. Conhecer Deus e procurá-lo sem dar-lhe trégua. Eis a tarefa. Queria estar junto dele, subindo escarpas íngremes e algo impenetráveis, devassando as suas entranhas invisíveis, logrando a theoria, sem os enigmas da imanência. Não um Deus-remissão, mas um Deus-concreção. Desejava o claro enigma”.

Essa paixão por Deus, pelo mundo e pelas coisas já o devorava desde cedo. Escolheu o íngreme caminho da metafísica, enquanto outros buscaram o recurso das drogas. Enveredou pela filosofia e pela teologia em busca desse “rosto perdido”, mas nada acalmava o seu desassossego abissal. Não o satisfazia o Deus tomista dos atributos, da imobilidade e da infinitude. Queria um “Deus solar”, primaveril:

“Queria uma árvore que não desse conceitos. Queria abocanhar-lhe os frutos”

Era difícil para ele suportar “a falta de um rosto”. Precisava “dialogar com Deus” e sentir o hálito de sua Presença. O encontro com a teologia da libertação, quando tinha cerca de 20 anos, exerceu um impacto decisivo em sua vida, apontando a Presença viva de um Deus concreto, que acolhe o outro com carinho e misericórdia. Mas nada arrefecia a sede interior que o devorava. Partia para conhecer novas paisagens, oceanos e florestas. Dava-se conta de uma realidade pontuada pelo desencontro permanente:

“Deus não estava senão em Deus. E eu estava longe de mim”

Esse sentimento de impermanência e incompletude marca a trajetória de Marco e pontua a beleza de sua poesia. Em sintonia com Dante, busca o céu Empíreo, o “céu dos céus” e a alegria do sorriso de Beatriz. A poesia favorece-lhe asas para sondar as alturas:

“A poesia promove uma abertura sem termo, que empresta a cada verso o sentimento do infinito, a paixão das alturas, a nostalgia do mais, a vontade de Deus”

Animado pelo pathos de Deus, atormenta-se com as dissonâncias do mundo e expressa sua revolta contra os labirintos sombrios e opressivos que marcam o triste caminho de nosso tempo. Ao visitar os campos de Sabra e Chatila, comove-se com o sofrimentos dos palestinos:

“Meu Deus, até quando tanto horror? Até quando este repulsivo campo, que corrói, silencioso, a dignidade dos homens, que tira de suas vidas o próprio nome, que mina seus corpos com doenças devastadoras? Até quando, tantas gerações condenadas a viver?

Reconhece adolorado que as partes não são capazes de acolher o dom gracioso do Todo, que tudo abarca:

“Reclama o Todo
as suas devidas
partes

faminto de pro
fundas harmonias
em fogo se transmuta
ácido espelho

e a parte
contra
o Todo

se dissolve
se consome
e se estilhaça”

Mesmo no “mar desprovido de azuis”, o rosto permanece em toda parte. Não há como fugir deste “abismo” que nos abraça. É a mensagem que percorre os inúmeros poemas de Marco, providos de uma beleza única que arrebata. Esse rosto abre uma esperança renovadora:

“Teu rosto
acende meus sonhos
de reparação
algo me atinge me confunde e me arrebata”

A alegria de poder conviver com esse amigo e partilhar de sonhos comuns de esperança é algo fascinante. Não há dúvida de que sua presença na ABL vai favorecer a abertura de caminhos inusitados. Não se trata apenas de alguém que preenche um vazio, mas de uma vida que irradia alegria e esperança.

 

Faustino Teixeira
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.