Já falei inúmeras vezes aqui da nossa vocação para o encontro, o relacionamento, o convívio, destacando sua raiz teológica. Na leitura cristã, somos imagem e semelhança de um Deus que precisou ser três para ser Deus Amor. É que o contrário do amor não é o ódio, é a solidão. Ela é desumana.
Daí nosso desejo de encontro e convívio com o outro, na perspectiva do amar e ser amado, das muitas formas que há, do amor em nós se realizar.
Mas hoje quero estender meu olhar para a dimensão antropológica. A antropologia é o estudo do ser humano, suas origens, evolução, desenvolvimento físico, cultural, sua fisiologia, psicologia, características, crenças e costumes sociais.
É uma grande tarefa.
Se considerarmos a origem do homo sapiens há cerca de 50 mil anos, somos, talvez, dos mais jovens e frágeis habitantes do planeta. Ameaçados pelas forças da natureza, animais selvagens, a fome, as doenças. Estudos de fósseis revelam que a idade média do nosso ancestral mais antigo não chegava a 20 anos. Como um animal tão precário veio a ser um sucesso tão extraordinário na escala da evolução?
Parte da resposta está justamente na nossa vocação espiritual e antropológica para o encontro, o relacionamento. O bicho homem/mulher é um animal social. Outras espécies também são, mas nós levamos essa dimensão a um status diferenciado quando nos fizemos casal.
Tudo começou aí… família, grupo, tribo, povo, nação, um bando de homens e mulheres saindo da caverna em passeata, tacapes e lanças na mão, gritando, ao longo dos milênios: “Homo sapiens, unido, jamais será vencido”!
É fato…
Juntos, conseguimos abater presas poderosas, como o mamute e o Trump (tô torcendo), vencer feras como o tigre dentes de sabre e o Bozo, e derrotar tribos selvagens, como os bolsominions.
Saímos da caverna para a aldeia, da aldeia para a vila, da vila para a cidade, da cidade para as metrópoles e megalópoles de hoje.
Não teríamos conseguido chegar aonde estamos sem estabelecer laços de convívio social e afetivo.
Mas aí, logo no início da terceira década do século XXI, outro viajante da evolução, muito mais antigo que nós, um vírus invisível, ridiculamente primitivo, veio ferir de morte nosso orgulho, nossa vaidade e, pior, nosso desejo/necessidade de viver e conviver. O impacto tem sido devastador, por exemplo, na economia e também em vários outros aspectos mais difíceis de medir. Como classificar o grau de medo e solidão de uma pessoa?
Mas, vamos vencer. Unidos.
Cientistas que foram crianças que passaram pelas carteiras e tanques de areia da Educação Infantil das nossas escolas, vão domar o vírus. Com eles, vamos reafirmar o valor do Conhecimento, da Inteligência, da Ciência, para além da estupidez criminosa dos que fazem da morte moeda de troca para alcançar mais poder.
Reclusos, semi reclusos, assustados com as notícias de uma segunda onda atingindo diversos países, ansiosos pela chegada da vacina, temos que permanecer… unidos, para não sermos vencidos…
Não é fácil, não é simples. Os nervos e medos estão à flor da pele.
Exemplo…
No prédio onde moro, por esses dias, houve um bate-tecla (antigo bate-boca) por causa do barulho de uma obra num dos apartamentos (Ainda tem isso, os grupos de whatsapp colocaram o condomínio em assembleia permanente!)
Ira, serenidade, acusações, desculpas, excessos…
Deixei lá o meu recado;
“Podem acreditar; somos privilegiados. Somos doze famílias, com todas as qualidades e limitações que todas as famílias têm. Alegrias, tristezas, saúde, doença, raiva, ternura, fases de falta, outras de fartura. Pacote completo.
Circunstâncias da vida nos fizeram vizinhos. Uns mais, outros menos próximos. Cada um com seu jeito, suas qualidades, defeitos, sua história e memória.
Dividimos, além do espaço, nossas despesas comuns.
Viver é fácil. As plantas do nosso jardim, vivem. Estão lá, plantadas, cumprindo sua sina vegetal.
O ipê amarelo que plantei, à nossa porta, nos alegra com sua beleza fugaz. É o que ele sabe e faz.
Nós somos mais. Somos gente. E gente é pra conviver.
Há que se ter, pois, sabedoria. Aprender que talvez não valha a pena ganhar uma discussão e perder:
a paciência;
o tempo;
a alegria;
a razão;
a saúde;
a harmonia.
Sinto-me privilegiado por ter vocês como vizinhos”.
E a você também, caro leitor, cara leitora, meus companheiros na aventura da evolução.
Homo sapiens, unidos, jamais serão vencidos!
Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.