Chegamos a dezembro de um ano profundamente problemático. No ponto de vista social e político, o Brasil parece ter chegado ao fundo do poço. A pandemia que, desde o início de 2020 nos ameaça, se transmuta em novas cepas e variantes. A Amazônia e todos os biomas brasileiros sofrem invasões e destruição como jamais antes tinham vivido.

A proximidade do final do ano leva as Igrejas a pensar no que será a meta da história. No tempo antigo, essa ideia tomava a imagem de “fim do mundo”. Vários mitos falam sobre isso. A Bíblia, inserida na antiga cultura judaica, não escapa desse assunto. Os profetas antigos prometem para o final dos tempos um julgamento final da humanidade e uma intervenção de Deus para fazer justiça e libertar os oprimidos. Conforme os evangelhos, Jesus tomou esse tema para um de seus discursos (Mt 24, Mc 13, Lc 21). Assegurou que não se trata tanto do fim do mundo e sim do fim de um período da história e que dará lugar a um novo tempo no qual a própria humanidade (o homem novo e a mulher nova) será cheia da energia amorosa de Deus.

Há quem interprete as guerras e desastres ecológicos atuais como se tivessem sido previstos na Bíblia. Ao contrário, muitos crentes sabem que a história tem sua autonomia. A presença divina não é para destruir e sim para renovar. Se, por acaso, a terra caminhar para o fim da vida no seu solo, isso acontecerá não por decisão divina e sim por culpa da sociedade dominante que transforma a terra e a natureza em mercadoria e, além de tudo, fabrica artefatos nucleares capazes de destruir a humanidade e todo o planeta.

O fim do mundo não é projeto de Deus e não foi isso que as profecias anunciavam. Jesus falou do fim de um mundo. Profetizou a derrota de uma sociedade injusta. Para quem vivia oprimido, o anúncio da destruição daquela velha ordem e a instauração de uma nova realidade mais justa e amorosa só podia ser boa notícia. Era um verdadeiro evangelho. Uma das figuras usadas para falar da renovação do mundo é o do parto. Na época antiga, as dores de parto representavam o sofrimento necessário para o surgimento de uma vida nova. Por isso, Jesus conclui o anúncio do fim daquele mundo dizendo: “Quando essas coisas começarem a acontecer, levantem-se, ergam a cabeça e se alegrem, porque é a libertação de vocês que se aproxima” (Lc 21, 28).

Atualmente, sabemos que esse processo de parto da história não é reservado para uma época final. Ele se dá cotidianamente e em todos os níveis da nossa realidade social e política, assim como no âmbito de nossas relações humanas e nosso crescimento interior.

O amor divino inspira, mas não realizará essa transformação estrutural do mundo e da sociedade sem ser através de nós e de nossa ação solidária. Essa nossa transformação interior é como semente e base da transformação do mundo. Por isso, Paulo escreveu aos irmãos e irmãs de fé que viviam em Roma: “Não se conformem com este mundo, mas busquem se transformar pela renovação de suas mentes para discernir qual é a vontade divina” (Rm 12, 2).

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.