Existir. Quando pensamos nessa palavra, podemos nos dar conta do aspecto imagético que o “ex” traz: não se trata, aqui, de algo que tenha passado, mas de algo que sinalize “o fora”. Existir é, nesse sentido, sair: é um movimento interior, de dentro para fora; da nossa subjetividade para nossa corporeidade. Existir é, então, encontro. É um desabrochamento no qual me humanizo, no encontro com os outros que me ajudam a reconhecer quem eu sou. Esse processo pressupõe, entre outras coisas, um reconhecimento: sou humano, sou pessoa, porque outros humanos e outras pessoas me revelam essa realidade, contribuindo para o desenvolvimento do meu eu.

Não há humanidade sem relação. E isso me faz pensar no já famoso ubuntu: “eu sou porque nós somos”. Essa é uma palavra de origem Bantu, que reflete uma ética bastante presente nas comunidades africanas. Trata-se de uma compreensão bastante refinada de humanidade, que tem provocado reflexões bastante interessantes em todo o ocidente. Difícil para um teólogo cristão – resguardadas todas as questões às quais devemos nos atentar – não se lembrar de “comunhão”, quando se depara com a ética do ubuntu. O que, para cristãos e cristãs, trata-se de um valor antropológico nascido da fé, para os povos africanos corresponde à uma ética, com estrito valor antropológico. Não é difícil encontrar relatos bastantes parecidos, de compreensões bastantes similares de coletividade, em nossas comunidades originárias do Brasil.

Por muitos séculos, povos africanos e ameríndios passaram por uma terrível aculturação, quando vistos pelos colonizadores como não-civilizados. Em nossa atualidade, temos visto crescer – mesmo em meio a tanta concepção colonizadora que ainda paira sobre nós – um sentido contrário: somos nós, os ocidentais, quem precisamos aprender com as comunidades tradicionais um jeito de ser, verdadeiramente, civilizados. A civilização ocidental, apesar de tantas coisas bonitas e significativas, no aspecto humano fracassou em muitas coisas: basta ver nossa relação com o planeta, por exemplo.

O individualismo é uma marca de nosso tempo, do qual todos nós ocidentais, sem exceção, somos vítimas, em maior ou menor medida. Geralmente, quando se fala em individualismo, o que se vem à cabeça são práticas egoísticas. Mas não só: o individualismo tem também suas faces mais sutis, como uma teia invisível que nos enreda. Na superação dessa não-cultura do individualismo, práticas que resgatem os princípios de coletividade são muito importantes. Não apenas por uma questão identitária, mas para recuperar o propriamente humano em nós.

De volta ao começo: existir. Caminhos de saída de nós, de desenclaustração. A humanidade pode ser comunhão, deve ser ubuntu. Amanhã, 1º de dezembro, será o Dia de Doar: campanha muito importante que visa criar uma cultura de doação, que engaje indivíduos, unidos por iniciativas muitas e diversas, a promover transformação: são muitas as maneiras de doação, e todas elas bastante humanizadoras. “Há esperança para o teu futuro”, inspira-nos o profeta Jeremias (31,17): tornemo-la, pois, possível: façamos da cultura da doação, um modo de comungar a vida!

Felipe Magalhães Francisco – Dom Total