Um dos sinais mais notáveis do mundo atual é a visibilização da população LGBT: gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. No passado, para se defender da intolerância e da hostilidade da qual eram alvo, muitos deles viviam no anonimato ou à margem da sociedade. Vários gays e lésbicas se escondiam no casamento tradicional, constituído pela união heterossexual, para não manifestarem a sua condição. Mas hoje muitos LGBT fazem grandes paradas, estão presentes em filmes, programas de televisão, olimpíadas, empresas, escolas e outras instituições; buscam reconhecimento, exigem ser respeitados e reivindicam os mesmos direitos e deveres dos demais cidadãos. Esta população está em toda parte. Quem não faz parte dela, tem parentes próximos ou distantes que fazem, velada ou manifestamente, bem como vizinhos ou colegas de trabalho.

O termo diversidade sexual, ainda que com certa imprecisão, é utilizado para referir-se aos LGBT e às questões que lhes dizem respeito. A visibilidade desta população também expõe os problemas que a afligem. Em muitos países, há uma aversão a homossexuais, a homofobia; e a travestis e transexuais, a transfobia. Esta aversão produz diversas formas de violência física, verbal e simbólica contra estas pessoas. Há pais de família que já disseram: “prefiro um filho morto a um filho gay”. Não são raros travestis, gays e lésbicas expulsos de casa por seus pais. Entre os palavrões mais ofensivos que existem em português, constam a referência à condição homossexual e a referência ao sexo anal, comum no homoerotismo masculino. Ou seja, é xingamento. A homofobia se enraiza profundamente na cultura. No Brasil são frequentes os homicídios, sobretudo de travestis. Há também suicídios de muitos adolescentes que se descobrem gays ou lésbicas, e mesmo de adultos. Eles chegam a esta atitude extrema por pressentirem a rejeição hostil da própria família e da sociedade. Tal hostilidade gera inúmeras formas de discriminação e, mesmo que não leve à morte, traz frequentemente tristeza profunda ou depressão.

O cristianismo tem uma longa história de oposição à homossexualidade, por muitos séculos chamada sodomia, em referência à tentativa de violência sexual feita aos hóspedes do patriarca Ló (Gn 19). Esta oposição foi seguida pela medicina até há poucas décadas, considerando-a doença. Mas mudanças importantes têm acontecido tanto na sociedade quanto na Igreja. O papa Bento XVI disse certa vez que o cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. E acrescentou que é muito importante evidenciar isso novamente, porque essa consciência hoje quase desapareceu completamente. É muito bom que um Papa tenha reconhecido isto, pois há no cristianismo uma tradição multissecular de insistência na proibição, no pecado, na culpa, na ameaça de condenação e no medo.

Uma carta do Vaticano sobre o atendimento pastoral aos homossexuais, de 1986, afirma que nenhum ser humano é um mero homo ou heterossexual; ele é acima de tudo criatura de Deus e destinatário de Sua graça, que o torna filho Seu e herdeiro da vida eterna. Eis aí a opção positiva do cristianismo ao contemplar esta realidade. A carta reitera a desaprovação dos atos homossexuais em todos os casos, mas recomenda prudência no julgamento sobre a culpa das pessoas envolvidas, pois podem existir circunstâncias que reduzem ou até mesmo eliminam esta culpa.

O papa Francisco segue com empenho o caminho da opção positiva. Para ele, o anúncio do amor de Deus que salva precede a obrigação moral e religiosa. O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos. A Igreja é convocada a ir às periferias existenciais, ao encontro dos pobres e dos que sofrem com as diversas formas de injustiças, conflitos e carências. A Igreja não é uma alfândega dos sacramentos, mas a casa paterna onde deve haver lugar para todos os que enfrentam fadigas em suas vidas. O confessionário não é uma sala de tortura, mas o lugar da misericórdia onde o Senhor estimula os fiéis a fazerem o melhor que puderem. A Eucaristia não é prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os que necessitam de forças. Ficou célebre a sua frase: “Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar”?

Para tratar de questões polêmicas sobre sexualidade e família, o papa convocou um sínodo dos bispos, enviando perguntas instigantes a todas as dioceses católicas do mundo, que suscitaram debates e reflexões muito importantes. Ao final, ele escreveu uma Exortação recolhendo os principais resultados e consensos. O papa reitera o ensinamento sobre o matrimônio, fundado na união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher, mas recusa considerar todos os que estão numa situação chamada “irregular” como vivendo em pecado mortal. Há uma forte advertência contra o moralismo que não respeita a consciência e a autonomia da pessoa: “nos custa dar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho em meio aos seus limites, e são capazes de realizar o seu próprio discernimento diante de situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (Amoris Laetitia, 37)

O papa alerta contra uma ideologia que nega a diferença e a reciprocidade natural entre homem e mulher, determinando a identidade humana e sua ação por uma opção individualista. Há quem considere isto uma oposição às bandeiras dos LGBT. Mas um gesto surpreendente do papa ilustra a sua posição. Em 2015, Francisco recebeu em sua casa a visita do transexual espanhol Diego Neria e de sua companheira Macarena. A história de Diego é emblemática da condição transexual, do preconceito feroz e do seu enfrentamento. Ele nasceu com um corpo de mulher, mas desde criança sentia-se homem. No Natal, escrevia aos reis magos pedindo como presente tornar-se menino. Ao crescer, resignou-se à sua condição. “Minha prisão era meu próprio corpo, porque não correspondia absolutamente ao que minha alma sentia”, confessa. Diego escondia esta realidade o quanto podia. Sua mãe pediu-lhe que não mudasse o seu corpo enquanto ela vivesse, e ele acatou este desejo até a morte dela. Quando ela morreu, Diego tinha 39 anos e um ano depois começou o processo transexualizador. Na igreja que frequentava, despertou a indignação das pessoas: “como se atreve a entrar aqui na sua condição? Você não é digno”. Certa vez, chegou a ouvir de um padre em plena rua: “você é filha do diabo”! Mas felizmente teve o apoio do bispo de sua diocese, que lhe reconfortou e lhe animou. Diego se encorajou a escrever ao papa e a pedir um encontro com ele. Francisco o recebeu e o abraçou no Vaticano, na presença de sua companheira. Seu gesto e suas palavras deram a Diego Neria uma imensa paz.

Se todos os pais e familiares de LGBT seguissem o exemplo do papa, recebendo-os em suas casas com seus respectivos companheiros, muitos problemas desta população seriam resolvidos. Todo ser humano e toda criação na sua mais ampla diversidade vêm de Deus, como dom. Basta ter sabedoria e grandeza de coração para acolhê-los e amá-los.

 

Luís Corrêa Lima – Padre jesuíta e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio