Na esteira global, países africanos mudam nomes de lugares com tributo a colonialistas

Em 12 de Agosto de 2020, bahianoticias.com.br reproduziu matéria do Repórter Adriano Maneo da Folhapress evidenciando a existência de um movimento global que tem por meta a retirada de monumentos em homenagem a figuras ligadas ao passado colonial. O movimento foi desencadeado pelos atos antirracistas após a morte de George Floyd (25/05/2020) que impulsionou propostas para alterar nomes de locais e estátuas que celebram exploradores, monarcas e opressores no continente Africano.

Após as manifestações, que começaram nos Estados Unidos e se espalharam por todo o mundo, os países Uganda, Quênia e Senegal já mudaram ou têm propostas para trocar o nome até mesmo de locais muito conhecidos, como o Lago Vitória, um dos maiores do planeta.

Localizado entre o Quênia, a Tanzânia e Uganda, o lago foi batizado em homenagem à rainha Vitória (inglaterra), em 1850, por John Speke, oficial do Exército britânico que buscava encontrar a nascente do rio Nilo.

Incomodados com a memória da presença britânica que transformou o Quênia em uma colônia entre 1920 e 1963, os advogados Wambugu Wanjohi e Kariuki Karanja entregaram uma petição à Assembleia Nacional do país no final de julho para pedir que nomes de locais em homenagem à época do império sejam substituídos por outros “que reflitam a identidade cultural do povo queniano ou de heróis do país”.

“Durante a ocupação, esses imperialistas começaram uma farra de renomear locais históricos, alegando que os descobriram”, diz Wanjohi à reportagem. “E isso aconteceu apesar do fato de que havia comunidades que lá viviam e já davam nomes e usavam esses lugares há milhares de anos.”

Os advogados citam 11 locais entre lagos, cachoeiras e montes, além do famoso Aberdare National Park, batizado em homenagem ao presidente da Real Sociedade Geográfica do Reino Unido Lord Aberdare.

A petição também pede a retirada ou substituição de toda a “iconografia que promova a opressão do povo queniano” e a revisão do currículo escolar, “especialmente a história da ocupação colonial e a luta pela independência, para glorificar, em vez dos opressores, o povo queniano que lutou contra a opressão”.

Segundo o Advogado Wanjohi, apesar de os povos nativos estarem nesses locais até hoje, as crianças são ensinadas nas escolas há anos que os lugares foram descobertos por europeus.

Entre os nomes dados pelos povos originários ao Lago Vitória estão Nnalubaale (na língua luganda), Nyanza (em algumas línguas bantu) e Namlolwe (em dholuo, idioma do povo Lud), no Quênia.

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Para Milton Allimadi (professor ugandês de História Africana na Universidade da Cidade de Nova York), o movimento começa com a liberação da mente dos povos africanos para que “trabalhem em direção à descolonialização econômica e política”.

“Uma pessoa certamente não acredita que vale muito se considera que a história e a cultura dos outros são superiores à sua própria”, diz o professor.

“Muito antes de países como os Estados Unidos existirem, já havia culturas avançadas na África, incluindo Egito, Núbia [atual Sudão], Aksum [partes da atual Etiópia] e Etiópia”, lembra.

“Até mais recentemente, no século 12, as artes em bronze do Benin e dos Yorubá são evidências dos altos níveis culturais, mas muitos africanos perderam a confiança, porque a única história que são ensinados é de subjugação na forma de escravidão e colonialismo.”

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Marcada pela história profundamente ligada ao tráfico de escravos, a Ilha de Gorée, no Senegal — ex-colônia francesa —, era um dos principais portos de comércio de cativos na África.

A 20 minutos de balsa da capital Dacar, Gorée hoje é ponto turístico, patrimônio mundial da humanidade e música na voz de Gilberto Gil. Mas a principal praça da ilha que recebe muitos turistas diariamente acabou levando um nome que dividiu opiniões.

Financiada pela União Europeia, foi inaugurada em 1998 como European Square (praça europeia). No mês passado, no entanto, impulsionado pelo movimento global contra o racismo, o Conselho Municipal decidiu alterar o nome do local para Freedom Square (Praça da Liberdade).

Segundo Doudou Dia, presidente da comissão de turismo da ilha e coordenador científico da comissão da Praça da Liberdade, Gorée tenta se posicionar como um lugar onde existe diálogo intercultural e civilizado em um mundo marcado por intolerância e crises de identidade.

Assim, não considera que a mudança do nome tenha sido necessariamente uma resposta ao colonialismo europeu e que a morte de George Floyd, homem negro asfixiado por um policial branco nos EUA, foi um impulso para a mudança que já vinha sendo exigida por grupos ativistas pelo país há dois anos.

“Acima de tudo, esses eventos sublinharam a profunda divisão racial que continua a fraturar a humanidade dando espaço a medo, incertezas e humilhações”, afirma Dia.

“Esse é um espaço de humanidade, para celebrar liberdade, valores de dignidade e honra. A praça está próxima da Casa de Escravos, e em respeito a essa memória o Conselho Municipal organizou encontros e decidiu mudar o nome, em resposta aos atos de racismo e violência pelo mundo.”

A discussão sobre mudanças no legado colonial em países africanos não é nova e se renova quando há impulsos, como os atos pela morte de Floyd, e em alguns momentos as mudanças se materializam.

As capitais de Moçambique, Maputo, e Zimbábue, Harare —para citar exemplos das inúmeras mudanças de nomes ocorridos em diversos países na África pós-colonial—, chamavam-se Lourenço Marques e Salysbury, até os países tornarem-se independentes de Portugal e Reino Unido, respectivamente.

O próprio Zimbábue é um nome recente. Antes da independência, em 1980, o país cujo nome significa “casa de pedra” na língua nativa shona, chamava-se Rodésia, em homenagem ao imperialista inglês Cecil Rhodes, que teve papel central na dominação britânica das nações do sul do continente.

Rhodes foi também alvo de revolta em um movimento que começou na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, em 2015, e se espalhou por outros países, dentro e fora da África, com o nome de “Rhodes Must Fall” (Rhodes deve cair).

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Outro movimento importante é Gandhi Must Fall (Gandhi precisa cair), em referência a Mahatma Gandhi — figura vista por muitos como um símbolo da não violência e que gerou debates acalorados na Universidade de Gana, em Acra. Foram levantadas referências a 58 frases racistas de Gandhi, nas quais chamava africanos de “selvagens” e “kaffir” — termo pejorativo para africanos negros — e elogiava o apartheid sul-africano.

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Referência:
bahianoticias.com.br/folha/noticia/88173-na-esteira-global-paises-africanos-mudam-nomes-de-lugares-comtributo-a-colonialistas.html

Texto original da Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/08/na-esteira-global-paises-africanos-mudam-nomes-de-lugares-que-homenageiam-colonialistas.shtml

Adriano Maneo – Folha de São Paulo