As diferentes formas de violência crescem assustadoramente em todo o mundo, exigindo da humanidade urgência na busca pela paz. Uma tarefa árdua que não se realiza com promessas ou decisões simplistas, pois se trata de um fenômeno complexo: requer análises multidisciplinares, vontade política e o envolvimento de toda a sociedade.

As estatísticas, os números assustadores, delineiam um amplo quadro de perversidades. Além disso, há de se considerar também as muitas histórias compartilhadas nas redes sociais e as notícias que revelam situações absurdas, verdadeiros atentados contra a vida. Reconhecendo a importância dos números, das informações e das providências governamentais no âmbito da segurança pública, é preciso enfrentar a violência a partir de suas raízes que têm origem na compreensão do ser humano a respeito da vida e do que significa cada pessoa. Trata-se de um conjunto de valores que configura o próprio exercício da cidadania.

Nessa realidade, são inadiáveis os investimentos para se estabelecer um tecido socioantropológico capaz de restaurar uma referência inegociável: a compreensão da vida de todos, não apenas da própria vida, como dom de Deus. O investimento a ser feito toca os mais diferentes campos que integram a existência humana – o contexto familiar, escolar, a religiosidade, as práticas e os costumes, que constituem a cultura de um povo. Esses campos devem estar unidos na configuração de uma nova mentalidade. Afinal, sem o reconhecimento da sacralidade de cada pessoa, prevalecem a banalização da vida e a consequente expansão das violências.

Mais importante que todas as medidas reconhecidamente necessárias para combater a violência, o que se espera é uma verdadeira mudança de mentalidade, com força para fazer emergir novas posturas. Assim, a sociedade poderá superar o atual cenário, em que inúmeras mortes são provocadas por motivos banais – atenta-se contra a vida de alguém para apropriar-se de um bem material, por exemplo. É a verdadeira banalização do mal o que se vive na contemporaneidade. Por isso mesmo, embora sejam importantes as análises de especialistas, pois permitem o conhecimento mais aprofundado sobre as diferentes situações de violência, há um desafio que é de todos na busca pela paz.

Esse desafio contempla assumir as próprias responsabilidade e deixar de delegar sempre ao outro a atribuição de superar o mal. Deixar de acreditar que apenas as instituições ligadas à segurança pública têm o dever de vencer a violência. Urge contribuir para que todos partilhem uma nova compreensão a respeito da vida, do sentido de viver, que leve à prevalência das relações fraternas e solidárias. É assim que se alcança nova dinâmica cultural alicerçada na paz.

Para superar a violência, o percurso a ser seguido contempla muitas ações: cultivar a solidariedade, conhecer e respeitar a própria história, se perceber como alguém que realmente pertence a um povo, assumindo o compromisso de cuidar das pessoas que estão ao redor. Essas atitudes são contrárias às banalizações de todo tipo que alimentam o mal – das ações exclusivamente motivadas por interesses econômicos sedutores, manipuladores, aos comportamentos cotidianos que revelam falta de limite ético-moral.

Vale prestar atenção redobrada e cultivar valores fundamentais capazes de fazer surgir a fraternidade como princípio que ordena os diferentes modos de viver. Nesse sentido, todos os segmentos da sociedade partilham a responsabilidade de reavaliar as próprias atitudes, as posturas, para serem capazes de redesenhar um novo horizonte. Tarefa que exige sólido arcabouço ético-moral e a espiritualidade que reconfigura a vivência humana, na superação do desafio das violências. Esta deve ser a nossa grande batalha diária pela paz.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).