Certa vez, numa aula, um aluno me questionou: “Mas, fessor, e se Deus não existir! Nem céu, nem inferno, nem nada? De que vale ser bom, honesto, cumprir as leis, respeitar as regras, os mandamentos”?

– “Não tento ser bom por conta do depois, meu filho. Minha ética é pru aqui e o agora. Além do mais, ser mal caráter dá muito trabalho. Quanto ao céu, se vier, é lucro”!

Lembrei dessa história porque, hoje, amanheci com antipatia da vida. Não se assuste, todo mundo tem direito a alguma implicância. Pois bem. Eu tô implicado com a vida. Não com essa vida aqui e agora. Essa taí pra gente viver, com seu pacote completo de alegria, tristeza, saúde, doença, fartura e carência. Minha inglisia, hoje, é com a tal da vida depois da morte.

Ô campanha…

O pobre do defunto ainda nem esfriou no caixão e já tem que encarar essa peleja de céu, inferno, purgatório, limbo, reencarnação. Até se reencarnar numa pedra há de virar brita, se misturar com cimento, se fazer alicerce, laje, piso, todo mundo andando em cima, prá lá e pra cá, num movimento sem descanso ou sossego.

E o risco de, pra cumprir carma, reencarnar bolsominion, já pensou?

Não, hoje quero quem me garanta que “morreu, acabou”.

Abro mão dessa demanda de vida depois da morte talqualmente, Galdino, o herege oficial da terra de Ariano Suassuna que explicava: “Herege é diferente de ateu. Ateu não acredita em Deus. Eu acredito, só não simpatizo com ele”…

Deus tem andado mesmo bem antipático. Especialmente esse deus dos pastores da teologia da prosperidade e dos padres do Centro Dom Bosco de Proteção à Censura. Mal humorado, amargo, cruel, vingativo, uma calamidade. Com esse deus não quero intimidade…

“Pois – continua o Galdino – se Deus me garantir, até o fim da minha vida, um punhadinho de carne de paçoca, uma lasca de rapadura do Crato, água fresca na bilha, uma rede debaixo da sombra de um juazeiro pra eu me esticar, o céuzinho dele ele pode dar pra quem ele quiser que não me interessa, não”…

Galdino tinha lá, sua razão…

Eu por mim, também tenho ideia de um céu pra me aboletar por aqui mesmo.

Haverá de ter um cinema, ao lado de uma biblioteca, de frente a um boteco onde a cerveja esteja sempre gelada e também o guaraná. E o tira-gosto, que não pode faltar.

Que haja amores, das muitas formas de amores que há.

Uma estrada boa pra querer viajar, uma casa boa pra querer voltar.

Que haja boa música, aquela que eu escolher, pra ouvir ao lado de quem me escolheu.

Que haja belos horizontes bem à minha frente, absolutamente originais, onde o sol invente, a cada dia, um alvorecer e um entardecer que não se repetem jamais.

Um folha de papel, uma caneta.

Que haja gente, que não me falte gente de todas as gentes com quem possa me esbarrar, conversar, aprender e ensinar…

Mas, Eduardo – reclamaria o Criador – e o que faço com a peruca loura, encaracolada, a camisola branca, de anjo, que pra você está guardada, a harpa e a trombeta?

– Com todo respeito, Senhor, enfia no cu do capeta!

Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.