Alta dos preços, reajuste do salário mínimo abaixo da inflação, fim do auxílio emergencial, pandemia fora de controle. Milhares de famílias enlutadas, quase 10 milhões de infectados. Assim começa 2021.

O desemprego será um grande desafio. Na contramão dos lucros obtidos nos primeiros nove meses de 2020, R$ 10,2 bilhões, o Banco do Brasil começa 2021 com Plano de Demissão Voluntária (PDV) para cinco mil funcionários. Outros cerca de cinco mil trabalhadores serão demitidos pela Ford. A exemplo da Mercedes Benz e da Audi, a empresa vai fechar fábricas no Brasil. Milhares de empregos indiretos também estão ameaçados. Mais brasileiros cairão em extrema pobreza. Avizinham-se tempos ainda mais sombrios para os direitos dos mais pobres. “Eu não consigo fazer nada”, disse o presidente.

Já os ricaços ficaram ainda mais ricos. A fortuna dos bilionários brasileiros cresceu 39% em meio à pandemia. O Brasil ocupa a décima posição no ranking dos países com maiores fortunas detidas por bilionários. Contudo, o país é o sétimo mais desigual do mundo. “A opulência da mesa do rico (Lucas 16, 19-31) só pode existir à custa do sangue de muitos lázaros; suas taças estão cheias da crueldade com que exploram a muitos. Quantas pessoas terão que morrer para que os ricos tenham o que desejam? Sua fome é mortal, assim como vosso luxo” (Santo Ambrósio, História de Nabot o israelita).

2021 está mais para 2020/Parte 2. Neste contexto, é dever da Igreja “examinar atenciosamente os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho” (Gaudium et spes, 4).

O Evangelho nos mostra que o mal não está só no coração humano, está nas instituições, na política e na economia. “Se cada ação tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas de uma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte” (Evangelii gaudium, 59). Há estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais perversas que imprimem sua marca de injustiça e destruição.

Nada mais contrário à vontade de Deus que um sistema que abandona milhões de seres humanos à morte. João Paulo II afirmava que é preciso denunciar “as estruturas de pecado concretizadas em mecanismos econômicos, financeiros e sociais que agem em sentido contrário a uma verdadeira consciência do bem comum universal” (Sollicitudo rei socialis, 36). Nelas, a obsessão pelo lucro e o desejo insaciável de poder são buscadas “a qualquer preço” (37).

Neste contexto, é preciso insistir: um atributo central da Igreja é estar do lado dos marginalizados e empobrecidos. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et spes, 1).

Bento XV destaca que a Igreja tem “muito que oferecer, visto que a Doutrina Social da Igreja é capaz de despertar esperança em meio às situações mais difíceis, porque se não há esperança para os pobres, não haverá para ninguém, nem sequer para os chamados ricos” (Documento de Aparecida, 395).

Como autêntico ensinamento moral, a Doutrina Social exige adesão por parte dos católicos. “A Doutrina Social exprime a missão profética que têm os pontífices de guiar apostolicamente a Igreja de Cristo e discernir as novas exigências da evangelização” (Caritas in veritate, 12).

Papa Francisco ensina que “só conhece verdadeiramente a Deus quem acolhe o pobre que vem de baixo com a sua miséria e que, precisamente nestas vestes, é enviado do Alto”. Francisco cumpre sua missão de pastor ao iluminar a ação dos cristãos no campo social, político e econômico com a luz do Evangelho. “A Doutrina Social brota do coração do Evangelho. Jesus é, em pessoa, a Doutrina Social de Deus” (papa Francisco).

Fratelli tutti é o mais recente documento da DSI. Inspirado na parábola do Bom Samaritano e dentro de um contexto histórico atual, ensina que a fraternidade é fazer-se irmão. A inclusão ou a exclusão dos feridos à beira da estrada define todos os projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos. O amor expressa-se não só nas relações íntimas e próximas, mas também nas macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos e políticos (Fratelli tutti, 181).

O amor social possibilita a construção de um mundo que garanta o desenvolvimento humano para todos. Esse amor é uma “força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos” (Fratelli tutti, 183).

O amor social é sempre um amor preferencial pelos mais pobres. Nenhuma doutrina, lei ou dogma pode substituir o lugar do pobre na Igreja. Ignorar o pobre é desprezar Deus.

Élio Gasda – Dom Total