Reflexões para a Mesa da Palavra – Ano C – XXVII do Tempo Comum
Naquele tempo: Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’ O Senhor respondeu: ‘Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: `Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria. Se algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Vem depressa para a mesa?’ Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepara-me o jantar, cinge-te e serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso tu poderás comer e beber?’ Será que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado? Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’.’Lc 17,5-10
O amigo José Batista Sobrinho, ex-coordenador nacional da CVX, traz-nos, lá das memórias da sua infância, uma história que é bem capaz de ajudar na compreensão do Evangelho deste domingo.
A seca naquela parte do sertão nordestino já durava mais de ano. Roça perdida, animais em pele e osso. Povo e bicho bebendo do resto da mesma água que resistia no fundo das derradeiras cacimbas. O padre convoca o povo para uma procissão até os pés da Cruz no do morro. Lá no alto o encerramento com a missa implorando pela ansiada chuva. Desde a manhã vão chegando pelas estradas poeirentas homens, mulheres e muitas crianças.Brota gente de toda parte para participar da cerimônia. Ladainhas, terços e variados cantos de súplica são entoados morro acima. Chegados lá no alto o tempo vira de uma vez. Grossas nuvens se aproximam rapidamente. Formam rolos que assustam o bando de crianças ladeando o altar. Várias delas vestidas de anjos. A missa nem começara quando despenca a chuva. Forte e barulhenta ela vem bonita, levanta do chão o agradável cheiro da terra molhada. “Deus é bom!”, grita na alegria o sacerdote para a assembleia. Mais de mil pobres se banhando na água abençoada. É então que ele observa o inusitado. No meio do mar de gente tem um guarda-chuva aberto. Surpreso com o que vê, pergunta ao velho protegido do aguaceiro se ele sabia que iria chover. “Mas o senhor não nos chamou para pedir a Deus pela chuva?” Foi só o que aquele homem lhe respondeu.
O Evangelho de Lucas começa nos falando do pedido dos discípulos para que lhes fosse aumentada a fé. Para que a tivessem a ponto até de provocar a chuva, como o velho da história tinha toda convicção de que viria. E Jesus lhes responde alertando para a pequenez da fé que carregamos. Diz-nos que se ela for aumentada seremos capazes de maravilhas insuspeitadas.
Alargar a fé é o mesmo que nos entregarmos, mais confiadamente, nas mãos de nosso Senhor. Ou, como exorta Paulo a Timóteo, que reavivemos em nós “a chama do dom de Deus”, “guardando o precioso depósito” da fé e do amor no coração.
Aumentar a fé não é abandonar o que precisamos fazer nas mãos do Pai. É fazer tudo, como se cada detalhe só dependesse do trabalho que executamos e confiar plenamente, sabedores de que a obra é dele e que tudo o que é feito de bom é porque Ele está agindo em nós.
Por isto, é necessária a tomada de consciência de que nada do que fizermos será por grandeza, ou mérito próprio. É Deus quem age em cada um, quando construímos algo que torne mais presente o Reino. Fazer o bem é nossa obrigação e é a graça e a bondade do Senhor que nos encaminha para ela.
E mesmo que tudo pareça errado e nada dê certo, saibamos que o mal não tem a última palavra. Deus tudo vê e a maldade será vencida. Mesmo que demore haverá “um desfecho” e “o justo viverá por sua fé”, conforme profetiza Habacuc na primeira leitura.
A fé é sempre um salto no escuro. É um ato de confiança naquele que não vemos, mas sabemos que está conosco, nos protege e acolhe. Por isto, ela não deve permanecer estável, mas viver sempre no dinamismo do crescimento.
Crescer na fé é aceitar que irão ocorrer as dúvidas. Sim, a impossibilidade de enxergar o outro lado gerará a incerteza. Com certeza que a fé pressupõe a dúvida e isto não deve nos causar medo. A dúvida é convite para que entremos mais nos mistérios de Deus, para que estudemos e nos deixemos levar mais pelo seu Amor.
Será na crise que iremos aprofundar as raízes da confiança em Deus no nosso coração. A fé que não experimenta crises, que não se sente interpelada pelas dúvidas, vai perdendo substância. Fica tal qual a árvore que não se enraíza profundamente. Ao primeiro vendaval correrá grande risco de cair. Peçamos ao Senhor que nos dê mais fé, eis que ela é dom, é presente dele para cada um de nós.
Para reflexão durante a semana:
– Quando peço “chuva” levo o “guarda-chuva”?
– Qual o poder da minha fé?
– Como lido com as dúvidas?
Fernando Cyrino