O alcance simbólico destas duas expressões populares – “abrir mão” e “abrir a mão”- evidencia especial desafio para boa parte das pessoas, considerando que o exercício da solidariedade é necessário para a construção de um mundo melhor. Do mesmo modo que é grande a resistência para se “abrir mão” de privilégios, ganhos, comodidades, não é menor a dificuldade para se “abrir a mão”, em um gesto sincero de doação. Nesses casos, há um travamento que parece insuperável. E quase sempre, quando é proposto um gesto que signifique “abrir mão”, é o forte que impõe o sacrifício ao fraco, o rico ao pobre, o político às camadas populares, ou seja: a “justiça” é praticada em favor dos que dominam e os prejuízos socializados entre os indefesos e inocentes.
A atitude de não querer “abrir mão” contribui decisivamente para que várias instituições afundem, como uma barca em naufrágio, sem que seus ocupantes percebam o perigo. Poucos aceitariam mudanças na situação em que se encontram, para promover o bem coletivo, quando isso significa deixar de receber privilégios. Nesses casos, a resposta é imediata e negativa. Por isso, é preciso verificar e reavaliar o tecido cultural que está subjacente nos processos a que as instituições foram submetidas ao longo de anos. Na quase totalidade dos casos, a irresponsabilidade e os interesses cartoriais configuram funcionamentos e procedimentos que geram prejuízos, impedindo avanços e o enfrentamento das crises.
Percebe-se, assim, que a revisão de direitos sociais conquistados pode não ser o caminho indicado para as reformas, tanto as de incidência mais abrangente, nas dinâmicas sociais, quanto as que devem ser promovidas nas instituições de ensino, empresariais, de serviços e religiosas. Mas, o que se deve buscar é o desapego a partir de nova dinâmica cultural capaz de nortear as instituições e os segmentos da sociedade brasileira, comprometida nas dimensões político, social e moral. Basta observar o que ocorre nas altas esferas dos três poderes, desorientando os rumos do País.
São alarmantes, por exemplo, as cifras destinadas à manutenção das instâncias do Poder na Capital Federal, nos demais estados e municípios brasileiros. Um tipo de burocracia que trava o desenvolvimento da sociedade. As direções escolhidas são suicidas ou impõem processos que produzem a morte lenta e perversa de pessoas, de segmentos sociais e das instituições que precisam de força para cumprir com suas responsabilidades. Dificuldades que se sustentam em uma triste realidade: poucos aceitam “abrir mão”.
Essa incapacidade de “abrir mão” se agrava ainda mais pela mediocridade de posturas, pelos resultados pífios nos desempenhos, e pela voracidade de ter e querer sempre mais. Desse modo, ocorre verdadeira cristalização das percepções. Consequentemente, perde-se a indispensável capacidade para se readaptar a uma vida mais simples, sem privilégios, preguiças ou justificativas, com o engajamento para produzir e fazer mais, em benefício de todos. A raiz de todo esse mal tem origem em uma cultura tecida pelo interesse mesquinho e distante do sentido da solidariedade, empurrando a cidadania a ficar de costas para o que realmente poderia salvar instituições, preservar e ampliar postos de trabalho e, sobretudo, permitir o cumprimento da missão própria de cada uma delas.
A mesquinhez obscurece a razão humana e, consequentemente, em situações de dificuldade, como a que se vive neste tempo, não são encontradas soluções inteligentes, exequíveis, para os muitos problemas. Sem novas respostas, as pessoas permanecem reféns de seus propósitos tacanhos e pessoais, do consumismo e da ambição desmedida. Um comportamento que revela e comprova a superficialidade dos atuais estilos de vida.
Muitos se escoram nas organizações, amparados por culturas que resultam em altos passivos, impedindo as instituições de sobreviver. Não conseguem perceber – a exemplo do que ocorreu com os habitantes de Sodoma e Gomorra – que estão a caminho do fracasso e da desolação e que só têm uma saída: disporem-se, altruisticamente, a encontrar razões para “abrir mão”. Buscarem vivenciar a generosidade e as readequações, sob pena de, paralisados, esperarem cair sobre suas cabeças as pesadas pedras produzidas pela própria mesquinhez.
Irresponsabilidades de diversas pessoas que exercem a representação política, de agentes que deveriam se dedicar à justiça, seduzidos pelo poder e pela facilidade de usufruir do erário, criam a gigantesca onda de corrupção. Na raiz desse mal está a incapacidade para o gesto solidário de “abrir a mão”. O mais pobre que “abre a mão”, mesmo possuindo pouco, deve ser exemplo e referência da solidariedade. Um contraponto aos que muito possuem, mas fecham a mão, com medo de perder o que têm. Quanto mais fecham a mão, mais aumentam as grades da jaula em que estão. Esbanjam seus bens e usufruem de privilégios, mas vivem sem o gosto da liberdade.
Há um longo e exigente caminho de aprendizagem para transformar a sociedade brasileira, constituindo uma cultura exemplar que contemple a solidariedade, o desenvolvimento integral, a convivência fraterna e civilizada. Sem trilhá-lo, tornarão mais graves as estatísticas da violência e as perdas, inscrevendo o País nos mesmos parâmetros dos muitos focos destruidores e homicidas das guerras. O único caminho possível é aprender, em casa, para influenciar globalmente, o valor de se “abrir a mão” e a urgente necessidade de saber “abrir mão”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).