Sempre que o papa retorna de uma viagem internacional, ele concede uma entrevista aos jornalistas que o acompanham no voo. Uma prática iniciada por Paulo VI, em 1965, que todos os sucessores acabaram adotando. Termina uma vista, o pontífice já sabe que tem um encontro marcado com seus entrevistadores.

Nessa ocasião, o líder da Igreja Católica geralmente faz um balanço da viagem que acabou de realizar. No caso de Francisco, além de seguir esse protocolo, ele ousa um pouco mais ao permitir que os vaticanistas explorem outros temas. Não foi diferente dessa vez, quando ele se despediu da Eslováquia, na última quarta-feira (15).

Entre muitas perguntas requentadas, que sempre abordam temas polêmicos, os profissionais de imprensa aproveitam para pedir ao pontífice que esclareça alguns de seus posicionamentos. Depois de um ano sem viagens, por causa da pandemia, todos aguardavam ansiosamente por essas respostas.

Uma delas estava ligada ao documentário Francesco, do diretor Evgeny Afineevsky, lançado em 2020, no qual o papa faz uma declaração sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo. A seguinte dúvida veio à tona: afinal, o que Francisco pensa a respeito disso, sem os filtros de edição?

A resposta é simples: ele pensa o que seus antecessores pensam, só que, de maneira mais clara, faz questão de enfatizar que respeita a autonomia do Estados em relação à questão. Diz que o matrimônio, segundo o parecer da Igreja, por se tratar de um sacramento imutável, só pode ocorrer entre homem e mulher.

Por outro lado, trata a união gay, chancelada pela legislação dos países, como algo que está fora da sua alçada. Diferencia uma coisa da outra. Explica que é importante a todas as pessoas (não só aos LGBT’s) que se associam de maneira estável o acesso a garantias (saúde, herança, etc.). Trata o caso como respeito aos direitos humanos. Em outras palavras, o pontífice enfatiza que no sacramento não se toca, mas demonstra que não cabe a ele interferir no que ocorre fora da Igreja.

O papa, além de líder espiritual, é um chefe de Estado, cuja jurisdição não ultrapassa os limites religiosos e a pequena parcela de terra que está sob seu domínio. Ele é soberano do Estado da Cidade do Vaticano, não mais um príncipe que detém parte da península itálica e exerce uma influência política capaz de interferir no ordenamento jurídico dos países, como já ocorreu no passado. Além disso, ele depende da boa relação com os Estados para garantir a presença e a sobrevivência da própria instituição que governa.

Do ponto de vista teológico, ele também é um conselheiro universal. E muitos pontífices usaram dessa prerrogativa para opinar sobre a questão, inclusive o seu antecessor direito, o papa Bento XVI.

Não é o caso de Francisco. Ele prefere adotar uma linha de conciliação com os governos para garantir que a instituição exerça uma influência maior nas próximas décadas, frente aos desafios que virão. Os frutos desse tipo de postura já começam a aparecer, e a Igreja Católica, no futuro, poderá se beneficiar deles.

É preciso admitir que o papa atual dá um passo além e vê nisso uma forma não só de reforçar que a Igreja Católica respeita o Estado laico – com o qual o papado contemporâneo tem tentado dialogar -, mas que essas pessoas não podem ser vistas como fiéis “de segunda categoria” por causa de sua orientação sexual. A doutrina não muda, e justamente porque ela não muda, Francisco se sente no dever de acolhê-las e tratá-las de maneira mais humana.

 

Mirticeli Medeiros – Dom Total