Um dos desafios da espiritualidade Inaciana é aprender a ‘ordenar os afetos’. Um exercício exigente e permanente. Tenho tentado, continuo tentando, mas, às vezes, em momentos de desolação como o que vivo agora, a gente não sabe bem ao certo onde colocar os sentimentos.

Inácio de Loyola recomenda que, nessas situações, não se tome nenhuma decisão radical; “em tempo de desolação, nunca fazer mudança…”.

Como todo exercício, nem sempre é fácil. O sangue, às vezes, ferve. Em especial porque, ontem, perdi mais uma pessoa muito querida para o vírus.

O filme passa todo, de novo.

No dia da morte do Peterson, alguém me mandou uma mensagem cheia de ufanismo bolsonarista que começava dizendo: “Só boas notícias! Vacinas a rodo chegando ao país!!!

Respondi, sugerindo distribuir as vacinas a quem de direito e enfiar o rodo lá onde você pensou de quem postou!

O postante levou um baita susto. Me conhece bem, sabe que grosseria não é do meu feitio. Mas foi. E ainda não me sinto pronto pra me desculpar. Que fique lá o rodo, por enquanto.

Quando minha dor amenizar um pouco, vou pedir à raiva que estou sentindo que se assente à minha frente para conversarmos. Vou perguntar a ela: de onde você veio? O que espera de mim?

Costumo fazer isso com meus sentimentos. Converso com eles. Imagino-os como uma pessoa que está diante de mim, questionando, provocando, esperando uma reação, um troco. Às vezes, rapidamente ele ganha um rosto familiar. É um diálogo difícil, às vezes constrangedor, mas necessário.

Saber a origem das nossas emoções, de onde e porque elas vêm, ajuda a ordená-las e decidir o que fazer com elas. Afinal, não governamos o sentir, mas podemos e devemos discernir sobre o consentir.

Pensei nisso quando Marcos, pai do Peterson, me abraçou no velório e disse: “obrigado por ter me ajudado a criar meu filho”….

Entendi o exagero e retribui a gratidão: “Eu é que tive o privilégio de receber seu carinho”…

Pensei além, nos muitos e muitas adolescentes e jovens que passaram pela minha sala de aula. Com muitos deles construí essa relação de paternidade.

Pensei na minha experiência com meus três filhos únicos. Esse amor visceral, que vai muito além do código genético.

Um sentimento de responsabilidade vem à tona, ao lado de uma sensação de imensa saudade, própria de quem já tem os filhos criados como eu, ou que se foram, como o Peterson….

Nossas emoções são muito mais líquidas do que imaginamos. Mais de 70% do corpo humano é feito de água. Talvez também por isso, nossas emoções gerem tanta energia.
Peterson: vida, energia, música…

Paulinho da Viola canta na minha memória emocionada. E eu, livremente adapto: “O Peterson foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar”…

Vai pra onde, coração?

Por enquanto, está muito presente a ira santa.

Mas ira é diferente de ódio.

Indignação é diferente de raiva.

Rebeldia é diferente de revolta.

Vou me educando.

O Peterson merece.

 

Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.