Guiados por uma estrela no céu do Oriente, Belchior, Gaspar e Baltazar — os três reis magos — visitam o recém-nascido Jesus Cristo e sua mãe, Maria, em Belém, trazendo como presentes ouro, incenso e mirra. O acontecimento, narrado na Bíblia no evangelho de Mateus, é celebrado no dia 6 de janeiro, ainda hoje conhecido como o Dia de Reis, ou festa da Epifania, termo em grego que significa “manifestação”, que seria a revelação de Jesus Cristo – o Messias desejado e esperado – ao mundo.
Na Antiguidade, o Natal e a Festa da Epifania eram uma coisa só. No século IV, com Constantino, o Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, e as comemorações do nascimento de Cristo se uniram às festas pagãs que reverenciavam o solstício de inverno.
No solstício de inverno, a Terra mergulha nas trevas e tem seu dia mais curto. É nesse dia que o planeta começa a reemergir em direção ao Sol. Esse culto que os romanos celebravam, portanto, como a festa do Sol Invicto, será incorporado pelo Cristianismo que identifica Cristo como esse Sol que brilha e nunca se apaga. O que seria o Natal foi assim conectado à festa pagã, ressignificada por aquela que era agora a religião oficial do Império.
A Festa da Epifania, nesse contexto, ficou conectada à figura dos três reis magos que seguem uma estrela vinda do Oriente, de onde se acreditava que viria a salvação. Eles trazem presentes para o Menino e são cada um de uma latitude diferente, de uma raça diferente. A epifania, portanto, representa a manifestação de Cristo a todas as nações.
A Epifania do Senhor é uma festa religiosa do Catolicismo, comemorada dois domingos após o Natal. Além da visita dos magos, há nas narrativas evangélicas outros dois eventos com características epifânicas: a Epifania por ocasião do batismo que João Batista realiza em Jesus no rio Jordão; e a ocasião em que Jesus se torna conhecido como Messias/Cristo, por ocasião do milagre das festas de bodas de Caná. Com isso, o Novo Testamento quer significar que a vida cristã, no seguimento de Jesus, está a todo momento divinamente “ameaçada” pelo extraordinário dentro da trama ordinária da vida cotidiana.
Neste sentido, a vida de fé é um entrelaçamento da epifania com a diafania. Por um lado, existem marcos inesquecíveis em nossa vida de todos os dias que nos fazem dar saltos qualitativos em termos de conhecimento interior e abertura ao mistério. Por outro, na medida em que caminhamos e amadurecemos, vamos percebendo que toda a realidade está permeada por essa luz que sentimos poderosamente em alguns determinados instantes. Essa transparência, luminosidade fundamental e global, é o que se denomina diafania.
O desafio maior é saber captar a presença de Deus em toda parte. Para isso, é necessária uma educação do olhar, de forma a vislumbrar a diafania de Deus, sua “universal transparência” na criação e na história. O ser humano, como diz Teilhard de Chardin, já está sempre inserido no Meio Divino. O que é necessário é dar-se conta disso, abrir os olhos para perceber essa sua imersão permanente no Mistério.
No entanto, o que se manifesta epifanicamente é o que já está inscrito como desejo no fundo de nós mesmos. Ao acontecer a epifania, podemos reconhecê-la. Assim quando passa o momento de maior fulgor e intensidade, podemos reconhecer na espessura e aparente banalidade do cotidiano a dimensão diáfana da revelação constante daquilo que é o mais profundo de nós mesmos: vida plena, amor, solidariedade, laços comunitários profundos, afeto e coragem para lutar por um mundo melhor para todos e um futuro bom para o planeta.
Tomara que neste ano de 2022 que ora iniciamos, os Magos nos tragam este presente: saber estar abertos humildemente para as Epifanias que possam acontecer em nossas vidas. Mas ao mesmo tempo exercitar-nos e buscar a diafania que se encontra permanentemente oferecida a nossos sentidos pelo simples fato de estarmos vivos.
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “O mistério e o mundo” (Editora Rocco), entre outros livros.