Parte 1
Passei uns dias em SP. Momentos tensos e intensos.
A tensão ficou por conta do clima de medo e insegurança que se percebe por toda parte. Com a aproximação do quase fim da pandemia, é preciso buscar um outro jeito de preservar o medo. O vírus vai, ele não.
São Paulo é a capital brasileira do Datena. Parece que você passa 24 horas dentro do Brasil Urgente.
O medo transforma a exceção em regra geral. Um motoqueiro usa a mochila do I Food como disfarce para assaltar e a partir daí todos os entregadores passam a ser suspeitos. E São Paulo é também a capital brasileira dos entregadores de moto. Daí você cruza com o medo, voando em duas rodas, a todo instante.
Não. Não sou ingênuo. A violência está aí para nos tirar qualquer traço de inocência. Há assassinatos brutais nesse tipo de assalto. Minha crítica é contra a forma como a questão é conduzida. Ao invés de se discutir alternativas educativas e oportunidades de trabalho digno para os jovens, um projeto de segurança pública mais eficaz, investimos em propagar o ódio e ampliar o medo. E o medo nos emburrece, nos devolve aos nossos instintos mais primitivos. Reduz nossa inteligência pessoal e coletiva. Ficamos à mercê de gente especialista em ganhar dinheiro com o nosso medo, como o Datena, e ganhar poder, como o presidente.
Vejam, por exemplo, o momento histórico que vivemos.
O Brasil se esforça, há décadas, para se firmar como um país sério, civilizado, democrático, mas, no momento estamos mais para uma república de bananas onde prevalece o Estado Autocrático de Direita, presidido por esse inacreditável Jair Bolsonaro. Como um sujeito tão tosco chegou aonde chegou? Graças ao medo…
Ele é tosco, mas sempre foi oportunista. Depois daquela ainda mais tosca facada, conseguiu impor um comportamento idiota a todos nós. E engolimos a isca. Graças ao medo do Lula, do PT, do Comunismo, 57 milhões de brasileiros votaram movidos, não por uma proposta de governo, mas pelo medo. O resultado, entre outros, foi o rebaixamento geral do nível de inteligência das nossas ideias e preocupações.
Gente estranha, tragicômica, grotesca, ainda mais desqualificada que o Mito, chegou com ele e passou a ocupar a cena política: Weintraub, Damares, Araújo, Pazuello, Salles, Guedes, Roberto Jefferson, general Heleno, gente sem nome, rotulada como Zero um, Zero dois e Zero três, até um troglodita descerebrado e irrelevante, Daniel Silveira, esse tipo de gente passou a pautar nossas discussões.
Temas superados, alguns desde a Idade Média, como o Terraplanismo, voltaram à pauta.
Questões sepultadas no século dezenove, como resistência à vacinação e a medidas básicas de segurança sanitária estão aí, contestadas, ridicularizadas.
Pautas de costume, questões morais, dogmas religiosos dignos de um Estado Islâmico Radical, são recheio de discursos hidrófobos da bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala).
Educação e Cultura são reprovadas há três anos e meio.
A Ciência foi pru espaço, junto com o ministro astronauta.
O meio ambiente já está chegando a ¼ do ambiente.
Mas, é preciso encontrar um culpado por esse imenso fracasso chamado Brasil Bolsonarista. E achamos. Cruzamos uma cabra com um periscópio e chegamos ao nosso bode expiatório: o entregador do I Food. Ele é o culpado das nossas mazelas e misérias. Cão danado, todos a ele!
Enquanto isso, Daniel Silveira assume cargos de destaque em cinco comissões do Congresso, entre elas, a de Educação e a de Constituição e Justiça.
Vamos ruminando nossos medos, e a boiada continua passando…
Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.