O trabalho é fator indispensável para construir e preservar a paz, afirma o Papa Francisco, no rico horizonte da Doutrina Social da Igreja Católica, em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz. Diante dos olhos está, pois, um desafio para governos: exercer a sua tarefa de gerar condições para a criação de postos de trabalho, buscando garantir o necessário equilíbrio social e, consequentemente, a paz. Lógicas e intuições são preciosas na promoção de mudanças que favoreçam condições justas e humanas de trabalho, evitando situações de convulsão social, em razão do sofrimento de muitos desempregados. O ponto de partida é compreender que o trabalho é uma forma de expressão do ser humano e de suas habilidades, reconhecendo a sua essencialidade na organização social, para inspirar escolhas políticas que determinem os rumos da economia.
Abominável é a lógica econômica que, hierarquicamente, vê o lucro acima de tudo, desconsiderando a função social do trabalho. Uma perspectiva que produz escravizações, escassez de oportunidades e, consequentemente, impede que muitos se sintam realizados. A mensagem social da Igreja é um contraponto, pois considera que para além de sua dimensão técnica, produtiva e do seu caráter profissional, o trabalho é essencial à condição humana. O exercício profissional garante o próprio sustento e de familiares, reveste-se do sentido de colaboração com os outros, pois sempre se trabalha com alguém ou para alguém. Deve-se, pois, reconhecer a essencialidade da dimensão social do trabalho – veículo e alavanca na construção da paz.
A organização política e econômica da sociedade, para que haja paz, não pode abrir mão de uma qualificada compreensão a respeito do trabalho, força humana para edificar um contexto social nos parâmetros do dom da paz. Pelo trabalho, qualificado e valorizado, contemplando diferentes aptidões e carismas, invenções e criatividades, cada pessoa exerce a sua tarefa vocacional de contribuir para a constituição de um mundo cada vez mais belo. A criação de oportunidades de trabalho é, nesse sentido, sinal de competência política, na avaliação de governos e de seus desempenhos. A carência de oportunidades para profissionais projeta fracassos variados, traduzidos nas muitas formas de desigualdade social que alimentam discriminações, preconceitos, descompassando a cultura da paz.
Descompassos na cultura da paz são vetores de muitos outros fracassos, ferindo de morte a beleza e a dignidade da vida – dom precioso e inviolável. Por isso, o Papa Francisco adverte sobre a gravidade da situação do mundo do trabalho, acentuada pela pandemia da COVID-19, urgindo providências e respostas inteligentes. Uma tarefa governamental que não pode ser simplesmente delegada a agentes econômicos com concepção estreita sobre o trabalho, nos parâmetros do dinheiro e do lucro. A falência de milhões de atividades econômicas e produtivas deve ser adequadamente tratada, pois é uma das razões do crescimento da vulnerabilidade social. A situação é dramática e requer velocidade e assertividade nas respostas, especialmente daqueles que são líderes políticos. Os que são responsáveis por balizar e pautar a vida social não podem delegar ao mercado ou a outras instâncias da sociedade a busca por solução.
O Papa Francisco chama a atenção em relação à devastação impactante com a crise da economia, gerando exclusões terríveis e graves consequências, dentre elas está o horror da fome. Sem uma reviravolta no mundo do trabalho não se conseguirá promover mudanças nas precárias condições vividas por muitas famílias, expostas a várias formas de escravidão. Ora, onde há escravidão a paz está comprometida, sua destruição é progressiva, pois se desrespeita a dignidade humana. Assusta saber que atualmente apenas um terço da população do planeta em idade laboral insere-se em um sistema de proteção social, e muitas vezes recebendo amparo de modo limitado.
Neste cenário, o bem comum está fatidicamente comprometido, provocando o crescimento da violência e da criminalidade organizada, sufocando a liberdade, permitindo a contaminação ainda mais grave de uma economia já muito adoecida. Urgente, pois, é ampliar oportunidades de trabalho, por meio da atuação de governos competentes, com sensibilidade social, capazes de reconhecer que o trabalho é uma base para a construção da justiça e da solidariedade. O momento exige competência política na determinação de novos rumos, urgentemente, partindo do princípio incontestável de que o trabalho constrói a paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).