O cinzento dos dias me convida à reflexão. A chuva que cai lá fora não é, para mim, tempo ruim. É dádiva da natureza que, mesmo tão agredida, insiste em cumprir seus ciclos produzindo mais e mais vida, apesar de tantas mortes.

Uma delas me doeu fundo, esses dias. Um dos meus queridos alunos se foi. No velório, encontrei alguns outros dos meus meninos, hoje, jovens de quarenta anos. Por trás das máscaras, compartilhamos surpresa e tristeza.

Quando me despeço e vou saindo, noto que o cemitério parque fez uma grande reforma em suas instalações. Estamos sempre tentando maquiar a tristeza. Tudo bem. Fica mais suave, talvez, se despedir num ambiente mais leve. Mas a dor…

No caminho de volta, entrevejo, pelas frestas da memória, a presença sorrateira da morte. Muitas re-cordações me vêm à mente. Impossível não pensar: um rapaz tão moço…

Pessoas muito queridas que perdi, para o Covid ou não, minhas duas passagens pela UTI, os stents que pulsam em meu peito, as imensas possibilidades humanas ao lado da nossa fragilidade tão grande quanto.

Na viagem que fiz recentemente, um carro que ia à minha frente, numa reta, de repente se desviou, raspou a lateral num barranco, arrebentando vidros e retrovisor, deu uma guinada de volta à pista, foi na contramão, deu um meio rodopio e parou.

De imediato, o motorista desceu. As mãos na cabeça, abriu a porta traseira gritando: estão bem, estão bem?

Parei logo atrás e fui até ele. A mulher que estava no banco do passageiro também desceu, chorando. No banco de trás, duas crianças também choravam, assustadas.

No fim das contas, estavam todos fisicamente bem, sem ferimentos.

– Dormi no volante… – repetia o motorista – obrigado, meu Pai, ele disse olhando para o céu e para um enorme e sólido eucalipto, uns cinco metros à frente, onde não havia mais barranco.

A fragilidade humana…

A vida por um stent, por um cochilo, por uns minutos, por uns metros.

Num relance, a prece do acidentado fez passar pela minha mente o sentimento de gratidão. Uma frase chavão, tão usada em despedidas, cruzou meu pensamento iluminada de vida: “Que a tristeza de tê-lo perdido, não me faça esquecer a alegria de ter com ele convivido”.

Esteja em paz, Bruno…

E assim, num de repente, a vida se se fez presente na lembrança de um texto do poeta Alexandre Paredes, que usei muito nas minhas aulas, e que diz:

“Vivemos a maior parte do tempo tão mergulhados em nossos afazeres e preocupações que nem percebemos as maravilhas que a vida nos oferece a cada dia, nas formas mais simples. As dificuldades são enormes, nossos caminhos, às vezes, parecem se fechar e não vemos que a natureza produz, silenciosamente, pequenos milagres a todo instante.

Os noticiários de TV exibem a violência, a corrupção, a catástrofe, o sofrimento, entretanto, as transformações mais belas em nossa vida acontecem sem serem notadas, e os momentos de maior alegria que vivemos não viram notícia.

A maldade humana é como uma noite de tempestade. Por mais terrível, escura e longa que pareça cederá, mais cedo ou mais tarde, à luz do novo dia, que chega serenamente trazendo novas oportunidades de reconstrução da nossa paz interior.

Não te impressiones, pois, pela maneira como crescem a vaidade, a mentira, a hipocrisia e a iniquidade no mundo que te cerca. No fundo, todo mal nasce da ignorância. Há homens cheios da cultura e do saber do mundo que ignoram a paz e desconhecem o amor.

Ilumina o teu horizonte com pequenos gestos de bondade. Por menores que pareçam, são mais fortes do que toda a escuridão reunida.

Projeta luz sobre a tua própria dor, passando a enxergá-la como oportunidade de crescimento e renovação.

O arco-íris nasce do confronto entre a luz do sol e o que chamamos de “tempo ruim”. A chuva, ou o “tempo ruim”, é precioso instrumento da natureza para renovar a vida.

Espalha o otimismo, o quanto puderes. A centelha de esperança que, hoje, acendemos no coração de alguém poderá ser amanhã, um farol a guiar nossos passos quando estivermos perdidos nas tormentas da vida.

Semeia o bem, a paz e a felicidade a todos aqueles que te rodeiam, mas sem fazer-se notado e assim, a felicidade entrará devagarinho em tua vida… sem fazer alarde.

 

Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.