Viver é um mistério. Eu sou um mistério.
Existe muita pretensão no Ocidente em relação ao “eu” consciente. Eu posso pensar que sei muitas coisas sobre mim, que sou um ser pensante, consciente. Mas isso não é bem verdade. Sou como um iceberg, muito do que eu sou, está escondido no meu inconsciente, só uma pequena mostra está na superfície.
E pra piorar ainda mais, a neurociência me diz que muitas das minhas decisões são realizadas por mecanismos independentes do meu cérebro, sem que eu tenha conhecimento, ou seja, grande parte daquilo que eu vivo, e faço, é realizado no “piloto automático”.
Percebo diante dessa realidade, que a máxima do filósofo: Penso Logo existe, poderia ser substituída por respiro logo existo. Mas eu não quero ser apenas alguém que respira, eu quero ser alguém que pensa e sente. A ilusão de que sou um ser pensante me faz acreditar que sou senhora das minhas decisões e ações, mas como eu sei que isso não é verdade, tenho de lidar com o fato, que ao invés de decidir, eu reajo.
Descubro então, que preciso ser menos reativa. Descubro que o outro não é meu inimigo, é só alguém de carne osso, com sonhos, projetos, como os meus. Dar fim a ilusão de que eu sou alguém que está no controle me faz ter um pouco mais de abertura.
Descubro que posso me abrir mais, acolhendo o outro, sem julgamentos. Sei que sou um mistério, muitas vezes, o que me faz reagir são as minhas dores e não a minha razão. Qual o lugar do outro em minha vida, então? É um lugar de feridos. Somos pessoas feridas, todos e todas, por isso esse lugar precisa ser mediado por uma palavra, um sentimento, um gesto, que se traduz em compaixão.
Silvana Venancio