Dezesseis anos após o assassinato de Dorothy Stang, a missionária conhecida por defender o direito à terra para camponeses e por criar projetos de proteção da floresta amazônica, junto à população e ao governo, é ainda hoje um marco da luta ambiental no Brasil.
Irmã Dorothy tinha 73 anos quando foi alvo de uma emboscada em 12 de fevereiro de 2005 em Anapu (PA) e levou seis tiros. Mais do que lembrar o crime que chocou o país, é importante refletir sobre seu legado.
Ela acreditava que o cultivo da roça passava não só pela plantação de alimentos, mas também pela preservação da floresta. Assim, criou na cidade dois Projetos de Desenvolvimento Sustentável, o PDS Esperança e o PDS Virola Jatobá. Um PDS é uma modalidade de assentamento onde 20 ha são destinados à agricultura enquanto o restante, à reserva legal, ou seja, deve-se manter a vegetação natural podendo ser explorada com o manejo sustentável.
No dia de sua morte, era para a freira estar na assembleia de criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre, no Pará, ao lado de Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente. “A gente fez um apelo muito forte para que ela fosse com a gente, mas ela preferiu fazer os cadastros do assentamento. Ela tinha uma personalidade muito parecida com a do Chico Mendes”, lembra a ex-ministra em conversa com Ecoa.
Apesar de a morte de Dorothy ter sido uma surpresa para muitos, quem a acompanhava na linha de frente sabia que a vida dela estava em risco. A missionária que nasceu Dayton, Ohio e chegou ao Brasil em 1966, vinha sendo ameaçada e, inclusive, já havia informado as autoridades sobre isso.
Tanto a luta da irmã Dorothy quanto a do Chico Mendes firmaram as bases do que hoje os pesquisadores e cientistas dizem sobre ser possível fazer na Amazônia um novo ciclo de prosperidade com base na biodiversidade
O direito de lutar pelo o que é direito
Antônia Silva Lima é uma das centenas assentadas do PDS Esperança, onde é mais conhecida como Dona Tunica. Vinda de Rondon do Pará, chegou em Anapu em 2001. Com a condição financeira frágil, ela obteve junto à prefeitura um ponto onde instalou uma barraca de comida para conseguir algum sustento. Foi nas missas da cidade que ela conheceu a missionária Dorothy Stang. “Meu esposo veio para o PDS Esperança porque a gente ouviu falar que ela estava arrumando essas terras para cortar junto com Incra para dar para o povo”, conta.
Dona Tunica ainda não morava no assentamento, mas já participava das reuniões junto à missionária. “Ela dizia que queria colégio para as crianças estudarem, ela sempre falava que queria os colégios próximos uns dos outros para que as crianças não ficassem andando muito na mata”, lembra.
“De lá pra cá, muita coisa que ela queria já se realizou: tem um colégio muito grande que era o que ela esperava, tem posto de saúde e a terra para nós plantar”, conta Dona Tunica. Apesar das ameaças ainda constantes de grileiros, a agricultora gosta de listar outras tantas coisas positivas dentro do assentamento como a fertilidade da terra, a estrada que antes não tinha e a presença constante de médicos e enfermeiros no local. “As coisas estão andando”, finaliza.
Um legado de persistência e perseverança
Dorothy fazia parte da Comissão Pastoral da Terra quando conheceu José Batista Afonso, que se tornou advogado da ONG alguns anos depois. Para ele, o PDS se adequa mais à realidade da Amazônia, considerando que ela é uma floresta rica em biodiversidade. “Dessa forma, as famílias podem obter os seus rendimentos, melhorar sua qualidade de vida e manter a floresta em pé”, completa.
A escolha de Dorothy Stang pelo Pará não foi à toa. O Estado é um dos lugares onde o conflito por terra mais se agrava no Brasil além de ser o que mais se desmata. Das 31 mortes que aconteceram por violência no campo em 2019, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 12 foram ali. O Pará também concentrou 46% de todo o desmatamento da Amazônia Legal em dezembro, segundo dados.
Para Afonso, o PDS encontra-se ameaçado pois a modalidade não tem como prosperar sozinha sem a ajuda dos órgãos federais.
Para a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Noemi Miyasaka, o descaso das autoridades e as constantes invasões aos assentamentos fazem com que os agricultores paraenses que aprenderam com a missionária o manejo sustentável da floresta tenham um desafio adicional para manter a esperança. “Apesar de tudo isso, as pessoas ainda estão persistindo e esse também é um legado dela”, comenta.
Camilla Freitas – UOL