A sabedoria cristã inspira modos de se expressar caracterizados pelo sabor do Evangelho de Jesus, que tem como núcleo central o amor. É um saber dizer com o sabor do Evangelho. O amor, núcleo central da Palavra de Deus, é a grande praça onde podem se encontrar pessoas de diferentes confissões religiosas, múltiplas culturas. É sabor insubstituível, com força para fazer das diferenças uma grande riqueza, inspirando as transformações necessárias para este tempo. E o sabor do Evangelho tem uma “carta magna” consagrada, o Sermão da Montanha, narrado com magistralidade literária pelo evangelista Mateus. A força da Palavra articula a ortodoxia do testemunho, comprovação de fidelidade autêntica, validando a exatidão de toda formulação e compreensão conceitual. A leitura do Sermão da Montanha, em atitude de prece, é um exercício sapiencial que convida a cultivar sabor no saber dizer.

Estudos linguísticos e a vida cotidiana mostram que a palavra é instrumento indispensável e determinante na constituição de processos culturais e humanísticos. Todo fenômeno humano depende da palavra, que tem força própria, em conexão com mundividências e com ordenamentos da mente. Inadequadamente empregada, a palavra pode ficar desprovida de sua força constitutiva e edificante. Pode ainda alimentar dissonância, sem propriedades para possibilitar o reconhecimento de novos horizontes na vida social, política e também religiosa. Expressar-se é atitude que exige responsabilidade – dizer com sabor do Evangelho – para bem desempenhar as próprias responsabilidades.

Não é difícil constatar que muitos se expressam de modo medíocre, sem conseguir gerar o que é necessário para promover o bem. Ao contrário, semeiam o caos, alimentado por quem não sabe falar com o sabor do Evangelho. Um descompasso comum nos muitos espaços de convivência e nas diferentes formas de relacionamento humano. Um pai de família que não sabe instruir seu filho, a partir de palavras alicerçadas no Evangelho, compromete a qualidade do processo educativo no contexto familiar. Dizer com o sabor do Evangelho precisa ser compromisso de todos, especialmente dos cristãos. Aos que professam a fé cristã, esse modo de dizer exige força de profecia – ser porta-voz da verdade que aponta a urgência de se tomar rumos novos para construir um mundo melhor. Exige também palavras de consolação, capazes de contribuir para que as pessoas encontrem sentido e esperança na vida – modos de se expressar que são bálsamo para o coração. A palavra dos cristãos, com sabor do Evangelho, deve ser, ao mesmo tempo, profética e consoladora, reconforto e lúcida força educativa, para ajudar a humanidade na conquista de novas compreensões.

Há de crescer a consciência do quanto é insubstituível e necessária a capacidade de se comunicar com o sabor do Evangelho, para levar harmonia e qualificação a muitos processos institucionais, inclusive nos âmbitos políticos, culturais e religiosos. Nesses diferentes campos, estabelece-se uma confusão de entendimentos, com a multiplicação de subjetivismos, nas estreitezas de interesses particulares e limitada perspectiva humanística. A liberdade de se expressar, neste tempo de muitas facilidades para fazer circular as próprias palavras, exige, neste mundo que permanece fechado à fraternidade social, um remédio: palavras com o sabor do Evangelho. É, a cada instante, um risco emitir juízos e opinar sem saber dizer com esse necessário sabor. Não basta somente usufruir-se do direito de dizer, ou valer-se dos meios tecnológicos para se expressar. Todos têm o dever de oferecer contribuição, em cada palavra, para estabelecer novo ciclo civilizatório, sem faltar com a verdade, promovendo as urgentes correções de rumos, plantando esperanças, a serviço de um desenvolvimento integral e inclusivo.

Sejam mais ouvidos aqueles que sabem dizer com o sabor do Evangelho, para que o mundo se liberte de obscurantismos e fechamentos. O Papa Francisco, na sua Carta Encíclica Fratelli Tutti, sobre a amizade social, focaliza o mundo fechado deste tempo, com indícios de regressão, em contradição diametral a muitos avanços e conquistas obtidos pela humanidade, para dizer que o amor, a justiça e a solidariedade não são alcançados de uma vez e para sempre. “Hão de ser conquistados cotidianamente”. Nesta conquista conta a palavra dos que sabem dizer com o sabor do Evangelho, inspirando novas compreensões nos campos da ciência e da tecnologia, da política e da espiritualidade.

Para amalgamar tudo o que se aprende e se sabe, os recursos existenciais e profissionais aprendidos, para ser livre de um modo néscio de falar e, sobretudo, da incompetência na execução das próprias responsabilidades, é preciso, com humildade, inspirar-se na literatura sapiencial de Israel, na prece de Salomão, e suplicar: “Ó Deus, Senhor de misericórdia, que tudo fizeste com tua Palavra… para governar o mundo com santidade e justiça e exercer o julgamento com retidão do coração… dá-me a sabedoria… manda-a para que me acompanhe e trabalhe comigo…”. Assim, todos possam saber dizer com o sabor do Evangelho.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).